Fragmentos de uma Vida I

"No Japão, a palavra para 'mantenha a coragem' é Gambatê. Lá, as palavras não são jogadas ao vento, e cada uma possuí intenso valor e ensinamento. Sempre e em qualquer lugar surge alguém dizendo gambatê. Todos sabem do esforço de cada um, seja no que for para se superar. Ninguém acredita que luta ou sofre mais que o outro. Todos estão no mesmo barco. Todos são igualmente capazes."

“Desde a infância, meu sangue pedia para estar no Japão. Nunca imaginei que pudesse alcançar o outro lado do mundo. Quando morava lá meu sangue gritava para voltar ao Brasil. Nunca imaginei que 'voltar' fosse algo tão bom. Mas quando aqui cheguei, meu sangue novamente gritava para retornar ao Japão. Como estar em dois extremos ao mesmo tempo? Foi quando entendi que os dois lugares que amo neste mundo, estão dentro de mim. Não é o lugar onde estamos, é quem de fato somos."

"Certa vez no Japão, minha amiga me fez perceber que sempre que eu entrava no refeitório, todos me olhavam enquanto mastigavam... Olhei em volta e tive essa impressão. Nos outros dias, percebi que realmente todos olhavam e ficavam observando enquanto eu passava. Várias vezes durante minha vida aconteceu isso. Não são olhos masculinos cobiçosos que olham... São mulheres e crianças também. É como se eu fosse uma anomalia percebível...É assustador ser percebido. Por isso, desde a infância andava na rua de cabeça baixa... Com o tempo percebi que não era bom andar sem olhar pra frente. Só parece que estou de cabeça erguida: ou meus olhos focalizam um ponto, ou estão voltados para baixo. É minha síndrome de avestruz!"

"A síndrome de avestruz, o ostracismo e a solidão sem estar sozinha fizeram-me uma ilha onde fui aos poucos me afastando do convívio com as pessoas. Foi um período de exílio do mundo e da realidade onde tive a chance de ver-me como sou e ouvir-me com clareza. Um dia percebi que havia mais que as vozes do pensamento, da alma, da fantasia, do cérebro e das memórias. Percebi que nunca estava sozinha, embora quisesse tanto. Ninguém nunca estará completamente só."

"Passei a vida toda saindo raramente sozinha... Sempre precisei de alguém me acompanhando. Minha família procurava sempre controlar meus passos para que eu não saísse dos limites que julgavam ser normais, além de me proteger dos constantes "comas" repentinos. Os anos passaram e me vi condicionada a isso. Tornou-se um fardo sair só. Aos poucos, não saia mais de casa. Então, chegou o dia que não podia mais andar.Fiquei meses deitada sem sentir as pernas, me perguntando o por que... A vida usa métodos doloridos para ensinar. Quando voltei a caminhar, me via limitada não conseguindo ficar cinco minutos de pé. Somente quando compreendi que eu sou livre para ultrapassar os limites, é que consegui vencer a dor! Ninguém pode determinar até onde podemos ir, a não ser nós mesmos."

"Muitas pessoas confundem a personalidade e o modo de vida de um assumido com vulgaridade ou devassidão. Vulgar é usar uma máscara para ser aceito e enquadrar-se em um falso padrão, anulando-se. Devasso é julgar os outros pela limitação da própria visão, sem conhecer a pessoa, transformando em defeito e pecado tudo o que vê no outro, e não tem coragem de assumir em si mesmo."

"Um plagiador pode ser comparado a um robô que nunca foi reprogramado ou a um morto vivo: ele não pensa, ele não se ouve, ele não se sente, portanto não se percebe. Pode ser também comparado a um saqueador ou a um vampiro: ele rouba idéias, pensamentos, inspirações, a vida e as experiências de outros e acredita que ao reproduzi-lo está tornando uma obra melhor do que quando foi criada. Pior: acredita mesmo que ele é o próprio autor!"

"É impressionante como nos enganamos... Podemos passar anos acreditando que seguimos em um caminho pela quantidade de acontecimentos que constroem os dias e pela inquietação que nos incomoda fazendo-nos nunca ficar parados. Em algum momento na vida algo acontece que nos obriga a parar. É então onde percebemos que nunca saímos do lugar."

"Não se preocupe, meu irmão... Eu sempre fico bem! Se eu sofrer mais alguma agressão, não sentirei mais dor! Algumas coisas com o tempo já não doem mais! Depois de ser tão machucada, não há mais espaço para feridas novas... E as antigas já não se abrem mais! O pior de ser agredido não é a probabilidade na intensidade de um soco: é se recolher fragilizado e sentir medo. Eu já não tenho mais medo de nada! Se uma mão descer contra mim, eu vou encará-la! Há coisas na vida que doem muito mais... Dessas eu também já não tenho medo, nem sinto mais a dor delas! Não sei ainda o que fazer contra o agressor... Não sei reagir do mesmo modo e não tomo decisões movida por mágoas ou rancor. Não sinto prazer algum em ver o agressor em um estado pior do que se encontra... Não se devolve o mal com mal: isso é regredir! Se não dói mais, não preciso devolver do mesmo modo."

"Sinto medo de mim e da pessoa que me tornei. O que antes me arrancava lágrimas e comovia meu coração hoje são vistos com um olhar de frieza e racionalidade. A compreensão nos tira as emoções extremas, e só consegue enxergar o que só pode ser visto não com o coração, mas com a alma. Minha aparência é frágil e meu olhar confunde-se com inocência... Percebem em mim a criança que ainda sou... Uma criança não compreende limites, regras, conceitos, e fronteiras... Quando quer ir ela simplesmente vai, porque ainda é um espírito livre! Hoje, uma mulher nasce dentro de mim... É dela que tenho medo: ela também desconhece os limites!"

"Eu jamais negarei em que tenho crido. Respeito como cada um percebe seu próprio Deus e quero respeito como vejo o meu. Na verdade, há um só Deus que rege todas as coisas. Ele se torna diferente não pelo modo que cada um de nós o vê, mas como cada um tenta impô-lo não a si, mas aos outros. Seu Deus passa a ser falso quando você tenta impô-lo como verdade absoluta, quando Ele sempre se apresentou através da paz e tolerância. Ele é a própria verdade e não precisa que ninguém prove isso por Ele. Ele é a liberdade, não cadeias que aprisionam. Ele é o caminho, não uma opção! Nada que venha de Deus transforma-se em maldição. Crer em Deus não é uma condição para enquadrar-se aos demais... É um fato que se comprova não cientificamente, mas com a própria vida."

"Deus não é o Mágico de Oz nem o Papai Noel. Ele não existe para que seja barganhada com Ele toda a sua necessidade. Um pai sabe tudo o que seu filho precisa, e só lhe concede quando seu filho demonstra precisar. Deus nos fez imagem e semelhança Dele, dando-nos tudo com Ele. No reino celeste não há bancos, nem lojas, nem Baú da Felicidade. O que os filhos de Deus precisam estão disponíveis nas prateleiras do Universo, esperando apenas um querer. A maioria das pessoas não sabe o que querem, e com isso não sabem pedir. Quando se pede, não se manifesta um pedido simplesmente... Se expressa que o Pai está certo quanto a tudo o que Ele já sabe que precisamos e declaramos saber o que realmente queremos e assumimos que realmente precisamos daquilo. Se alguém lhe apresentar as benções celestes e terrestres através de barganhas e métodos infalíveis de negociação com Deus, afaste-se desse. Ele determinou buscar o reino Dele e Sua justiça, as demais coisas são acrescentadas: quando a alma evoluí, conseqüentemente se tem tudo o que se quer!Uma alma evoluída não precisa dos bens materiais para ser repleta e sabe que a verdadeira riqueza está, além disso."

São Paulo, 25 de Novembro de 2008,15:00

Shimada Coelho A Alma Nua
Enviado por Shimada Coelho A Alma Nua em 25/11/2008
Reeditado em 25/11/2008
Código do texto: T1302702
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