Falando com meus botões: Enganador e Enganado

Reviro meus livros de psicologia, psicanálise, filosofia... Como quem procura uma lei que caiba dentro de uma circunstância... Uma justificativa... Uma absolvição...

Não encontro algo que me faça compreender determinadas atitudes... Minha mente não concebe o porque de algumas pessoas preferirem a mentira à verdade.

Há os enganadores, que pela simples vaidade de conseguirem ter suas estratégias bem sucedidas, são capazes de destruir vidas, lares, sonhos... E há os enganados... Não importa quantas vezes o ratinho branco corra dentro da roda, ele acredita percorrer grandes distâncias, mas nunca sai do lugar. Aquela mesma marca de solda na grade da roda que fica ali girando e girando, sempre passa pelo ratinho... Por mais que ele corra, sempre se depara com a marca...

Reflito, questiono-me, concentro-me, aprofundo-me sobre onde estão as fronteiras do sonho, fantasia, ilusão, pensamento, desejo... Analiso quantas pessoas estão aprisionadas em uma dessas fronteiras, prestes a mergulhar de vez com um próximo passo, acreditando estarem em um lugar, e estão em outro.

Pior que o estrago que o enganador causa, é o estrago que nos fazemos ao nos permitirmos ser enganados. Bem pior é considerarmos aquele engano até certo ponto agradável, e por mais que venha o aviso, se manter nele acreditando-se não ser um engano, mas exatamente aquilo que se desejava.

Há pessoas que sonham tanto com determinado acontecimento, e vivem a vida esperando por ele que qualquer coisa semelhante é agarrado sem haver necessidade prévia de certificar-se se aquilo é exatamente o que se queria. O que chega, muitas vezes nem possuí o mesmo valor do sonho esperado, mas a expectativa criada com a espera cega. A vontade absurda de possuir ou viver algo, não permite ver com totalidade o que está à frente dos olhos. Não há uma avaliação e análise para determinar se aquilo é o bem tão esperado. Nisso, não importa quantas pessoas ou circunstâncias provem o contrário... Não importa as placas de alerta sobre o perigo eminente... O individuo mergulhado no próprio sonho, na fantasia que a expectativa gera, na ilusão de que o que veio era pra ser, não ousa desligar-se das sensações que o engano causa.

Prefere-se a mentira... Prefere-se a falsidade...Prefere-se o engano, pois se agarrou de tal modo com o sonho, à ilusão de ótica, o deslumbramento pré-concebido da mente criando em tantos desejos e buscas, que o enganado não quer abrir mão daquele instante.

Os vícios são o caminho sem volta de tantos... Há algo pior que eles? Eu digo que sim: os vícios que obrigamos o organismo fabricar são muito mais letais e mata vagarosamente: não mata apenas o corpo, mata também a alma.

Sonhos são necessários quando se sonha com um objetivo pré-determinado, ao qual se sabe exatamente o que se quer e o que se espera. Esse tipo de sonho mantém a fé e a esperança. Mas o sonho que aprisiona, transformando a realidade em projeção de desejos não concebidos, gera fantasias. Fantasias que vão se criando e se encaixando na realidade que não se modifica como se deseja. Ao final de tudo, a realidade passa a ser uma mera ilusão de ótica. Tudo à volta, os acontecimentos, pessoas, reações, conclusões, percepções são traduzidas com base na ilusão de ótica que se criou, onde apenas seu criador enxerga o mundo como enxerga. Onde todos ao redor apontam, avisam, alertam sobre a 'miragem' ao qual o enganado caminha... Mas o enganado nunca consegue ver, pois se absorve apenas em satisfazer-se do que tanto quer, mesmo que isso custe continuar enganando-se.

Para cada ilusão de ótica criada para formar a falsa realidade, é preciso manipular a verdadeira realidade. Criam-se então manias... Alguém que sonha assumir-se e ser seguro, não obtendo sucesso, criará no auge da ilusão circunstâncias para auto-afirmar seu desejo. Virá a mania de perseguição, arrumará brigas e confusões todas criadas de modo manipulador, por exemplo. Sabendo-se que não importa para que tipo de atividade a mente e a reflexão sejam direcionados, há desenvolvimentos mentais, positivos ou não, mas há. E manipulando situações para se auto-afirmar, se premeditará a reação do outro para antecipar-se, criando argumentos e então ter a resposta certa, a atitude certa, tudo praticamente programado para que a estratégia dê certo, e a falsa sensação de segurança venha. Ocorre tanto para o enganado, como para o enganador, visto que o enganado não deixa de ser um enganador, mas de si mesmo.

Resumindo seria o mesmo de prometer a uma criança um brinquedo que ela tanto sonhou, e esta criança passe seus dias criando a expectativa de que o tão esperado brinquedo virá. Antes do tempo premeditado para que venha o presente, um outro semelhante surge. A expectativa criada faz com que esta criança receba o presente da mesma forma que fosse o que ela esperava, mas não o é. Ela se apega ao brinquedo e no dia estipulado para a chegada do presente que esperava, ela não se interessa, não faz questão, pois apegou-se ao semelhante que veio antes.

Tanto para virtudes quanto para defeitos adquiridos ou não, tanto para emoções ou sentimentos, sonhos, pensamentos e tudo mais, o organismo produz substâncias que trazem sensações, esperadas ou não, através de um objeto percebido através dos sentidos. Sentimentos e emoções são intensos a tal ponto que precisam ser materializados e para isso, emergem do profundo do ser para o corpo.Eles ocorrem após as percepções e bastam os sentidos ativos para que emoções ou sentimentos se manifestem, com estímulos ou não. Mas emergem os de mais intensidade, sendo que os de menos ficam retidos no interior e se mantém nos pensamentos, e sobre estes há possibilidade de controle.

Numa experiência nos Estados Unidos, um atleta, foi colocado sentado numa confortável poltrona e à sua cabeça e em seus músculos eletrodos foram ligados que iriam monitorar as atividades cerebrais e musculares. Foi pedido para que ele mentaliza-se estando no local onde costumava treinar, e imaginasse todo o percurso para alcançar seu objetivo. Foi constatado que todos os músculos usados para a prática do percurso reagiram como se ele estivesse realmente movendo-se.

Uma mulher que sonha com seu príncipe encantado, gentil, que lhe trate como a única coisa importante no mundo, cria quando sonha 'amostras grátis' das substâncias que geram prazer se conseguisse esse príncipe. Fantasia-se depois de muito sonhar para que, inconscientemente, o organismo produza mais daquela substância que traz ao corpo aquela sensação satisfatória. Como todo vício, deseja-se mais! E no ponto da fuga de realidade quando se vive a ilusão, ao surgir alguém similar ao príncipe sonhado, a mulher agarra-se a ele, não conseguindo ver que aquele não é o sonhado príncipe. E mesmo que ele seja um sapo, aos seus olhos será o amor tão esperado, pois, viciou-se na sensação que suas fantasias criaram, e transferem-se suas ilusões ao sapo. O sapo passa a ser aos olhos da mulher, o esperado príncipe, não porque ele seja, mas porque a similaridade permite que ela continue criando os seus 'vícios', transferido o que deseja a ele.

Ainda há pessoas que buscam nos futuros relacionamentos, algo semelhante ao relacionamento anterior, mesmo que este tenha lhe causado sofrimento. O anterior possuía todas as qualidades que tornariam a realização do sonho perfeito. Mas, algo seguiu errado, pois não somente de qualidades uma personalidade é constituída e o relacionamento acabou. Há algo que brota no interior, como um misto de teimosia e inconformismo pela relação não ter dado certo. Há uma necessidade de continuar aquilo que passou.Então, se busca em outra pessoa as mesmas qualidades, e se transfere para o próximo relacionamento tudo o que gostaria de ter vivido com o anterior, mesmo que a personalidade seja apenas aparentemente semelhante, e o modo de vida seja completamente inferior ou diferente. Conclui-se que não é a outra pessoa que é o que se esperava, mas quem esperava o vê de tal modo.

E assim, o número de pessoas insatisfeitas com a própria realidade cresce... O número de pessoas frustradas em não alcançar o que tanto sonhou se mantém, pois faz parte da vida...E o número daqueles que fogem da realidade assim como é, é assustador! Seja em qualquer área da vida...Estas preferem ouvir dos outros qualquer mentira para se sentirem certas de que escolheram ou fizeram o certo. Estas preferem a mentira a encarar a verdade que é evidente. Estas preferem continuar sendo enganadas, mesmo que o resultado disso seja sofrimento, decepção e dor.

E revirando livros, refletindo, questionando, analisando, concluo:

- Sonhe! Sonhar serve para projetar um objetivo futuro: sonhe sabendo o que realmente quer. Sonhar mantém a perseverança e assim sendo, um dia o sonho torna-se realidade.

- Fantasie! A fantasia é um pequeno sonho de momento, para um curtíssimo espaço de tempo, para determinada ocasião. Se um momento pode ser mais agradável fantasiando, fantasie!

- Não se iluda! Nem tudo é o que parece ser, e nem tudo precisa ser o que dizem que é. Mas a ilusão traz o engano. Saiba sempre onde está, quem você é e o que você faz!

- Deseje! Desejar é o princípio de um sonho! Só se deseja o que se admira e faz bem, e desejar faz com que se queira aquilo para si. Quando se deseja algo, se passa a sonhar com aquilo.

- Pense! Pense o tempo todo, reflita, questione, interrogue-se! Conheça seus limites e respeite os limites dos outros. Saiba que nem tudo o que desejamos é para nós, pois às vezes já é de outro. Pense! Não vá pela conversa dos outros nem se guie pelas vontades dos outros. Pense, para que ao sonhar, fantasiar e desejar, você não se iluda e se engane!

Obs: Não crie expectativas quanto a nada! Queira algo, mas não espere por esse algo. Se você cria expectativa e o que você espera não vem, você se decepciona. Se não esperar e não vier, fica tudo bem!

São Paulo, 08 de Janeiro de 2009.

Shimada Coelho A Alma Nua
Enviado por Shimada Coelho A Alma Nua em 08/01/2009
Reeditado em 08/01/2009
Código do texto: T1373459
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