Aprisionada Comigo

Esta minha caverna é tão escura

Que contemplar o céu me deixa cega...

Olhar as nuvens acima de mim é tão estranho...

A sensação de estar em cima delas,

Sabendo que estou abaixo, causa-me vertigens...

Não consigo enxergar com exatidão

Tudo isso a minha volta...

Mas meu tormento está em enxergar demais.

O que serão estes vultos negros que passam?

Não podem ser efeito da fogueira...

Não há fogo ardendo e sinto frio...

Não quero madeira criptando a beleza das chamas...

Vejo melhor quando não há luz.

Me confundo e não sei mais

Quanto anos de fato se passaram...

Me perco nos dias e meses,

E não sei em qual deles me encontro...

O passado está tão distante...

O futuro... Não sei em que direção está

Para que eu o persiga...

O presente... É tão passado e tão futuro.

O mundo lá fora está tão perigoso,

Mas perigoso mesmo é o lugar que me encontro...

O mundo está coberto com tantos véus,

Que escondem as verdades relevantes...

E sobre mim há um que esconde minhas fraquezas...

Cobre-me de força e coragem...

Que na verdade tenho:

Pois é préciso coragem para enfrentar os próprios medos.

O ser humano nessa sua vaidade vã

De crer que é superior e pode tudo,

É pequeno e frágil diante de outras grandezas.

As nuvens me causam espanto,

Pois me revelam uma fúria incontida...

Os olhos dos animais revelam o mesmo misto

Que sinto de amor e ódio pela humanidade...

Os pássaros estão tímidos

E apenas os urubus voam livres no céu.

A Morte está presente...

Ora coloca-me pavor para render-me de vez...

Ora seduz, tentando convencer-me...

Ela sabe: já não a temo mais,

Mas é o que mais temo.

Ela foi meu maior desejo...

Hoje é o que mais desprezo...

Estou presa num quadro bonito,

Cujo cenário expressa uma raridade...

Cenário inerte e imutável...

O centro de um caleidoscópio

Cujas cenas ao redor vão mudando

E me deixando tonta...

Eu condenei meus passos...

Encerrei-me em uma prisão

Para que meus pensamentos fossem livres.

E por mais dura que a realidade de fato de mostre,

Nas entrelinhas de meus pensamentos

Ela se mostra mais amena...

E torna-se mais simples compreender.

Qualquer outro em meu lugar

Já teria enlouquecido...

E eu vou enlouquecendo em tanta sanidade...

E eu vou desejando ser louca...

Pois louco é esse mundo lá fora,

Perdido na loucura padronizada da normalidade...

Querem me tirar do cárcere e perguntam:

- Onde está a chave?

Eu a engoli e ela se dissolveu no suco gástrico:

Eu estava precisando de ferro...

Não tentem derrubar as grades...

Eu as ergui sem emendas, lacrei

E deixei apenas uma janela.

Não quero sair, e não quero que ninguém entre.

Abdiquei do meu direito de receber visitas:

São indesejáveis e me matam de tédio.

Tenho guardado minhas energias:

Não respondo a futilidades.

Com licença por favor:

Fechei as trancas do coração e da boca.

Depressiva? Longe de mim!

Sou feliz assim: comigo!

São Paulo, 01 de Julho de 2009.

Em homenagem a 'sintonia' que revela a fonte inspiradora da amiga Kathleen Lessa.

Shimada Coelho A Alma Nua
Enviado por Shimada Coelho A Alma Nua em 03/07/2009
Código do texto: T1680503
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