DEPOIS DA CIRURGIA

Tinha passado o domingo na minha inutilidade de menino triste e desamparado, mas nem tudo é tão ruim que não possa ficar pior, ouvi falar no filme do Padilha. E antes de dar um sono na tarde cinza, traguei duas cervejas...

Acordei num quarto verde, com três mulheres que haviam feito curetagem, uma chorava tristemente por ter perdido o filho, outra dormia e a terceira chegara oferecendo chocolate pro enfermeiro bombado em forma de agradecimento por tê-la tratado bem, na certa abortou porque quis. Fiquei pensando com meus botões, porra a mulher abortou, tá fodida por dentro e já ta querendo ser fodida por trás... E fiquei com minha dor no quarto verde, um quarto pós-operatório verde para transmitir paz pra quem tá na merda.

As dores não são iguais, tolo quem acredita que toda dor é dor. Há dores que nos fazem bem, mas aquela dor... Não, nem um pouco boa. Ela ia me estourando as vísceras, dilacerando o intestino minguado e vazio, ela ia fazendo meu rosto se contorcer com espasmos contínuos e imergindo pela boca numa torrente de vômito abundante amarelo-verde-asqueroso, maculando o branco mal cheiroso do banheiro hospitalar.

Quando você está se contorcendo de dor e tem que esperar duas horas por um resultado de exame de sangue você percebe o quanto nós estamos entregues a própria sorte. Um serviço médico de merda, público ou particular, você é tratado como lixo do mesmo jeito, aí eu penso o quanto tem sorte alguém que morre trucidado e antes de ir pro necrotério não tem que passar pela humilhação que é ser atendido por um desses médicos ignorantes que torcem que você morra logo pra que ele possa assistir a sua televisão na santa paz de Deus, sem ter com que se preocupar...

Mas cara, sentir alguém te cortando... Horrível. Você não senti dor, mas senti o bisturi abrindo sua carne, os dedos caminhando entre os seus órgãos vitais e não, espero não passar mais por isso...