Quem eram as loucas?

Estava por ali, deixado naquele hospício bem arrumado sob as faces de um prisma sujo. Mas apesar do seu diagnóstico, criado e comprado por ele mesmo para uma depressão qualquer, nenhuma droga o satisfazia. Pensou que poderia seguir no errante percurso onde muitos caíram e pintou um universo inteiro com cores mesmas e, sempre que alguém o denunciava, preenchia as lacunas do seu álbum pequeno que ninguém queria ver.

Costumavam apontar-lhe falhas, falavam em ajuda, mas escondiam os suportes da alavanca. Os canalhas sabiam que o hospício tinha horário de visitas e aquelas mensagens de desaprovação o enfureciam. Nunca havia tempo hábil para devolvê-las em palavras. Nem conseguia imaginá-las! Melhor mesmo seria ter-lhes mordido os dedos. No fim, ficava ali, a amargar a convivência corrosiva no hiato daquela sabatina hospitalar.

Notou que em pouco tempo já não havia mais o que fazer, se se agarrava em qualquer ideia e a reconhecia por verdade, caía no campo das verdades múltiplas. Podia pender tanto para um lado quanto para outro, de modo que a certeza comandava e lhe trazia agonia diante daqueles cenários mesmos, sem colorido nenhum; não incorria em erro, nem podia.

Diante do espelho passou a buscar o arrependimento. Disseram-lhe bom. Mas esse não viria assim, o tratamento nunca explorara o egotismo*. Até buscou na memória os relacionamentos que o corromperam, porque assim disseram ser o certo. Porra nenhuma. Percebeu que isso não o castigava e se assustou, embora aos outros dissesse o contrário. Também, que as sucessivas ablações que insistiu imputar-se consumiram a sua habilidade para se regenerar e, vencido pela ilegítima autoridade dos histéricos em redor, aceitou os comprimidos de soma. E como nunca respeitara a prescrição, perguntas inundaram o seu campo, preencheram alguns pedacinhos, elevaram o seu palco a uma plataforma nova. Agora com um tom distinto.

Teve consciência para admitir que, embora caminhasse na mesma impassividade, a vista inovava o seu horizonte. Como não mais quisera daquele jeito continuar, voltou ao espelho e o quebrou; depois o substituiu por outro. Mas o efeito era diferente, dizia para si, e como as bordas fossem diferentes, pôde ser igualmente diferente, prestes a iniciar nova mentira, revestida em maquiagem.

Mas a força dos fatos é reveladora. O medo então se apresentou, trouxe os espasmos das noites em claro e dos dias sombrios. Congelou ele ali. Embora quisesse andar, o surto entorpecera-o. Olhou em redor, numa luta injusta, nenhuma ajuda humana, trôpego, alcançou a Igreja. Ajoelhado, em silêncio, ouviu baixinho “veritas filia temporis”. Não ousou abrir os olhos, sabia a autoria, conhecia o Santo. A luz lhe acolheria quando pronto estivesse.

Evoluiu um bocado, desfez-se daqueles que agora seriam placebo e blindou-se. Pessoas vieram rapidamente e assim também partiram. Mas às vezes alguém retorna. Alguém descobre o caminho de volta até novo encontro. Como que para se tratar ou condenar a ambos, se faz presente.

Num dia nebuloso que achou iluminá-lo, visitou alguém que precisava se fazer ouvir; não adentraria em assuntos das formas de inteligibilidade, pois já vira àquele filme. Apenas queria ouvi-la, acreditava que a bondade da iniciativa seria acolhedora.

Foi-lhe anunciado algumas fórmulas e peripécias, mas já ouvira ela falar antes nisso, e sem entusiasmo também. Viu a irritação, mas já sabia como era. Estranho seria o contrário; aprendeu que ela só ouve o conveniente mas reconheceu progressos nos atos contados.

Depois, desviou o olhar para o silêncio tomar conta dos dois. Lembrou de um bonito pássaro, como naqueles Errantes de Tagore: “cintilante é a água em uma bacia; escura é a água no oceano. A pequena verdade tem palavras que são claras; a grande verdade tem grande silêncio”.

Mas ele nunca a culpou; da lembrança de uma psicopatia astênica** que ela repudiaria como se mutilar fosse, sorriu. Questionar-se, ele não poderia, fora rebaixado por ela à classe ordinária dos que não enxergam por opção. Pessoas assim não pensam. Retornou-lhe com a dúvida de o porquê da intimidade. Seria mútuo reconhecimento? Bom, caso fosse, ela saberia que pessoas como eles não desistem. Ele só deixou para outro dia.

Depois, lembrou que a influência maléfica de alguém reproduz traumas em pessoas saudáveis com moral ainda por estruturar***. Como não utilizava mais soma, lembrou também o que aprendera com o Dr. Frankl, “o consumo de drogas é apenas um fenômeno de massas mais geral, a saber, sentimento de falta de sentido que resulta de uma frustração das nossas necessidades existenciais”.

Mas havia melhorado desde o hospício da alma ser liberto.

Já sabia que imbecis existem por aí; que diploma de universidade brasileira tornara-se direito e não conquista e a sociedade avançava doente com o laicismo. Já tinha aprendido que diagnósticos falhos são uma merda; que iatrogenia mata; e acusações podiam sobrar na vida.

Mais uma vez lembrou do Dr. Frankl, “sabedoria é o conhecimento com a consciência de seus limites” e animou-se. Há muito escolhera o caminho do amor, e como gostava de sorrir e tinha humor deveras cinza, deixou para Lima Barreto fechar a noite, “troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo”.

Ah, pensou também, se a verdade não tivesse fonte divina, por que palavras inibiriam?

*Egotismo: atitude subconscientemente condicionada como uma regra, pela qual atribuímos valor excessivo aos nossos reflexos instintivos, às nossas imaginações e hábitos adquiridos desde muito cedo, e à nossa visão de mundo individual. O egotismo atrasa a evolução normal da personalidade, porque estimula a dominação da vida subconsciente e torna difícil aceitar os estados desintegrativos que podem ser muito proveitosos para o crescimento e desenvolvimento. [...] Um egotista mede as demais pessoas pelos seus próprios parâmetros, tratando seus conceitos e modos de experiência como critério objetivo. Ele gostaria de forçar as outras pessoas a sentir e pensar exatamente do mesmo jeito que ele.

**Psicopatia astênica: a mais frequentemente demonstrada e conhecida de longa data, [...] se manifesta em todas as intensidades concebíveis, desde quase imperceptível até uma anomalia patológica óbvia. [...] Elas (as astênicas) são, de certa forma, idealistas, e tendem a ter uma certa angústia na consciência quando seu comportamento é faltoso.

Na média, elas também são menos inteligentes que as pessoas normais e suas mentes evitam a consistência e a precisão de raciocínio. Sua visão de mundo psicológica é claramente falsificada, de forma que suas opiniões sobre as pessoas nunca podem ser confiáveis. Um tipo de máscara oculta o mundo das suas aspirações pessoais, que está em desacordo com o que elas são realmente capazes de fazer. Seu comportamento em relação às pessoas que não percebem suas falhas é cortês, até mesmo amigável. Contudo, manifestam uma agressão e hostilidade preventiva contra pessoas que possuem talentos para a psicologia, ou que demonstram conhecer este campo. [...] Eles gostariam de reformar o mundo, para que ficasse conforme seu gosto, mas são incapazes de visualizar as implicações e os resultados de mais longo prazo. [...] No psicopata, um sonho emerge como um tipo de utopia de um mundo “feliz” e de um sistema social que não os rejeite, nem os force a se submeter a leis e costumes cujo significado é incompreensível para eles.

*** [...] os psiquiatras fazem o diagnóstico equivocado de psicose maníaco-depressiva. [...] Se o fator patológico permanece incompreensível, a pessoa tem dificuldade de entender a causa desses problemas. Algumas vezes, essas pessoas parecem permanecer uma vida inteira como escravas de imaginações e padrões de resposta comportamental que foram originados sob a influência de indivíduos patológicos.

*, **, *** Dr. Andrew Lobaczewski em Ponerologia: psicopatas no poder

mateusveiga@yahoo.com.br

MATEUS VEIGA
Enviado por MATEUS VEIGA em 08/10/2017
Reeditado em 08/02/2024
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