Das perdas

Sempre me disseram que um dia a gente ganha e um dia a gente perde. Percebi que para algumas pessoas é "um dia a gente perde e muitos dias a gente ganha" e, para outras pessoas, vice-versa. 

Advinha em que lado me enquadrei? Ou melhor, em que lado a vida me enquadrou...

O verbo é PERDER. Sei soletrar, silabar, colorir, mas nunca aprendi direito a conjugar... Eu perco, perdo.

Algumas vezes tentei substituí-lo pelo verbo "ficar", pela pergunta "você me deixa ficar?", outras vezes por "fique!".

Perder faz o mundo se avessar, mostrar a costura, os fiapos, o desbotado, o que não deve ser mostrado. E tem dias que a gente não está muito a fim de criar, modelar, nem de estilizar.

E nesses dias, depois de virar na cama a noite toda, não estando toda, completa, e de pensar que é preciso dormir, mas que fechar os olhos apenas não é suficiente e, após levantar novamente, a gente percebe que isso não faz bem para a pele e que pó de arroz  também não adianta muito - ela está seca e áspera - e que a noite mal dormida também não faz bem para os olhos, para o corpo e para a alma.

Porque, acima de tudo, perder dói. Daí já é verbo demais em uma frase – perder e doer.

Perder tira presença, sentimentos e também coisas.

Perder traz lembranças.

Lembra ausência, falta, não ter, não poder.

Lembra quase, mas também pra sempre. Lembra poderia ter sido.

Lembra metade, que muitas vezes soa vazio.

Lembra também novidades sem poder contar, sem poder ligar, sem poder mandar e-mail.

Lembra tantas coisas, mas outras coisas, que, de tão boas, parecem presença e sentimentos juntos.

Então, se tiver que ser, que perder, que seja aos poucos, seja cotidiano, seja costume, seja adaptação.

Que os muitos "perder" que a vida deu para mim e para outras pessoas, mesmo que estejam juntos, somados ou multiplicados nunca consigam se igualar ao ganhar que faz o mundo desavessado, colorido, espelhado.

Também existem mundos desavessados no lado vice-versa. É esforço, é suor, é lutar mais que algumas pessoas, mas é possível. A vida dá essa chance. Olhe para os lados. Tá vendo? Quer mais o quê?