O processo

Imagine comprar uma passagem de ônibus para ir de sua cidade até um destino turístico ao qual você espera conhecer há muito tempo: se preparou, juntou dinheiro, programou cada passeio, escolheu peças de roupa a dedo. Finalmente, chega o dia e você embarca com aquela imensa expectativa. Passadas algumas horas de viagem, ainda longe do destino, no entanto, o motorista para no meio da estrada. Nenhuma justificativa plausível.

Você observa pela janela, não vê problema mecânico, acidente, trânsito parado, ninguém precisou ir ao banheiro. Mas o motorista continua de pé, de costas para o veículo, sem dizer nenhuma palavra. Certamente, você começa a ficar inquieto, buscando respostas, afinal, esperou tanto por aquele momento, não é mesmo? As horas continuam passando e nada acontece. Alguém pergunta o que está havendo e a resposta continua sendo a mesma: nada. Acredito que você não é o único naquele ônibus a reclamar, questionar, murmurar. Passa a ficar contrariado, de mau humor, pensando até em retornar. Até que, repentinamente, para alegria de todos, o ônibus começa a rodar e você chega finalmente ao seu destino para de tudo desfrutar.

A alegoria que estou usando é a mesma para representar quem vive à espera do cumprimento de alguma promessa de Deus. Depois de um tempo caminhando na fé, Ele geralmente chega até você e, assim como com Abraão, faz uma promessa. Ou várias. E nunca algo ruim. É sempre um sonho, semelhante àquela viagem que mencionei figuradamente e, a depender do seu grau de busca e confiabilidade, é sempre coisa grande. Mas devo esclarecer que alegria de principiante é, inadvertidamente, não saber – ou esquecer, no caso dos mais calejados – que o cumprimento de toda promessa leva tempo, tem um percurso, uma jornada, um processo. Ah, o processo. Como maltrata.

Dia desses, Deus abriu meus olhos para uma história relatada em Números 9:15 a 23. E essa instrução bateu como uma pancada na minha cabeça: o povo de Israel, após anos de sofrimento sob o jugo do Egito, teve a oração ouvida por libertação da condição de escravos. Deus disse ter visto o sofrimento e, então, prometeu tirar Seu povo das mãos de Faraó e levá-lo, por meio do escolhido Moisés, para uma terra que manava leite e mel; lugar de abundância e vida, festas e alegrias. Era tudo muito bom. Imagino a sensação gerada em alguns corações, até mesmo os medos rumo ao desconhecido, as expectativas e euforia. A ansiedade deve ter tomado conta de muitas daquelas pessoas, o que levou alguns a se perderem durante o processo, seja pela desobediência, pela murmuração ou descrença. Mediante os desafios cada vez crescentes, muitos ficaram pelo caminho, mas essa é outra história. Quero me ater, por enquanto, ao processo, à rítmica da peregrinação, aplicando a história a nós.

O texto diz que uma nuvem cobriu o tabernáculo durante toda a caminhada. E essa nuvem ditava quando se partia e quando se parava. Imagine: num período sem internet, sem previsão do tempo, sem aviso sobre bloqueio nas estradas, sem assistência de órgãos de trânsito ou saúde. Um lugar onde o único norteio era dado por uma nuvem, que definia as regras, quando em movimento ou parada.

O Verso 19 diz que, quando ela estacionava muitos dias sobre o tabernáculo, os filhos de Israel cumpriam a ordem e não partiam. Segundo o Verso 20, às vezes a nuvem ficava poucos dias; outras vezes, ficava de uma tarde até à manhã seguinte. E, quando ela se erguia, o povo se punha em marcha e caminhava, até ela parar novamente, num prazo que dependia somente dela. Podia ser que parasse por dois dias, um mês ou mais. Conforme relatado pelo texto bíblico, aquela população caminhava rumo à terra prometida no ritmo exato ditado por uma... nuvem.

Eu trouxe essa analogia para nossas vidas por estar vivenciando processo semelhante. Ao longo de minha jornada espiritual, muitas promessas de Deus recebi, assim como, creio, você também. E antes de alcançar a maturidade – que ainda estou longe de obter -, eu pensava que, quando Deus faz uma promessa, ela se cumpre do dia para a noite, ou de uma semana para outra. Pode ser que aconteça, sim. Acontece. Já ocorreu comigo e com você. Mas existem outras que, indefectivelmente, são submetidas ao processo do tempo. E não me pergunte o porquê, embora Deus nunca faça nada sem uma razão e, para cada um de nós, sempre tenha um motivo específico.

Muitas e muitas vezes, Deus age como o motorista que usei figurativamente no começo deste texto: Simplesmente estaciona o veículo, sem nenhum motivo aparente, e se cala. E, por mais que eu pergunte, reclame, murmure, me mostre ansioso, insatisfeito, me inquiete, Ele permanece do jeitinho que está. E apenas me observa. Como um professor diante de um aluno e sua prova em sala: Seguro, firme e sereno e, por saber que tem o controle, sob circunstância alguma jamais se abala. Volte, então, à história do ônibus quando, de um instante para outro, ainda sob completo silêncio, o motorista põe o veículo em movimento e, finalmente, te leva à parada final. Chegar ao destino e apreciar a vista faz valer a pena o sufoco da jornada, não é mesmo?

Há alguns anos, Deus me tinha feito uma promessa da qual, por eu não conhecer esse processo que ainda luto para apreender, resultou em meses de fortes crises de ansiedade, depressão e taquicardia. Veja a seriedade do caso, cuja solução ninguém me ensinou e tive de entender na garra. O tempo passou, o próprio Deus me curou e hoje, quase dez anos depois, a promessa ainda não está concretizada. Na verdade, outras promessas me foram feitas, quase todas realizadas. Mas, somente agora, vivendo outra vez período da espera, aguardando a efetivação de uma das mais relevantes mudanças da minha vida, o próprio Deus me ensinou. Disse-me: “Abra sua Bíblia, quero lhe mostrar algo”.

Na realidade, mesmo lendo sempre o Livro Sagrado, há situações que jamais poderemos enxergar sem o auxílio do Autor. E foi um desses casos. Passei a me colocar na posição do pessoal de Israel: imaginei o quão aflitivo deve ter sido andar segundo a direção de uma nuvem, que ditava o passo, o quando e o se. Pois era a nuvem, símbolo da presença de Deus e dirigida por Ele, quem decidia o tempo de levantar acampamento, o ritmo e até a direção da marcha. Afinal, nem bússola existia e era somente Deus Quem sabia onde a Terra Prometida ficava. Daí se “explica” o posicionamento de alguns cuja murmuração fizera cair mortos ao longo do deserto: Ansiedade, incompreensão, preocupação, o não conseguir confiar e até mesmo a ingratidão mediante tudo o que Deus estava a providenciar. Observe se é típico ou não de gente como nós.

Depois de analisar o relato bíblico e me colocar na posição, fiz uma autoanálise profunda de meu comportamento. Como alguns de Israel, também me perdi no instante em que a nuvem parou e me obrigou a parar. Houve dias em que senti a vida completamente estagnada, chorei ao contemplar areia para todos os lados; lamentei o passado, senti falta das “cebolas” ou, figurativamente, de pessoas e fases que vivenciei e, mesmo relutante, tive de deixar para trás; tive dificuldades para aceitar o presente e enxergar as providências, em atos que não me deixaram como um esqueleto no caminho por puro exercício da misericórdia de Deus por mim e em amor ao Seu próprio Nome.

Quando meu entendimento foi aberto para tudo isso, decidi ficar. Mesmo sendo difícil compreender por que o motorista interrompe a viagem sem aparente motivo, eu quero ficar. Mesmo sabendo que esse processo é dolorido, eu quero ficar. Mesmo com o tempo, a espera, o silêncio, a cadência dada por uma “nuvem”, que hoje é uma palavra profética, um sonho ou qualquer outra forma que Ele decidir falar, eu quero ficar. Eu aceito que tenho um General.

Havia muitos povos ao derredor daquela população, mas um só era Israel. Menor entre todos e sem aparência. Assim como eu e você. Há muita gente melhor, mas Deus nos escolheu a nós para chamar “Povo Seu”. E sobre nós há promessas que, sem dúvida alguma, vamos alcançar, por Deus não ser homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa (Números 23:19).

Na verdade, a gente nem sempre precisa ou conseguirá entender os porquês. Só devemos estar certos de que, para alcançarmos nossa Terra Prometida aqui e, por fim, a Jerusalém Celestial, só temos de aceitar, obedecer aos princípios divinos e nos deixar direcionar.

Aline Guedes
Enviado por Aline Guedes em 11/01/2022
Código do texto: T7426975
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