FÉ SUTIL

Não descarto a hipótese de algum dia ser convencido a crer em Deus. Para tanto, seria necessário algo mais profundo, subjetivo e sutil do que as demonstrações desordenadas, desencontradas e mesmo assim seletas, atribuídas a ele. Um olhar, um silêncio significativo, talvez um odor, uma textura, uma emoção velada. Nada de firulas divinas por meio de curas espetaculares, paredes abertas nos oceanos e gente abrandando furacões "em nome do altíssimo". Muito menos metamorfoses orgânicas, geográficas, espaciais ou ameaças de um lugar de fogo, sofrimento, escuridão e ranger de dentes.

Um deus que vive para provar que é Deus, que tudo pode, que tem mais poderes que um certo ser que ele mesmo teria criado não é, definitivamente, o que poderia me tocar. No fundo, só me bastaria mesmo ser humano, comum, o flho do meio (aquele que nunca é o predileto), em caso de conversão à crença (jamais a um segmento religioso). No mais, deus poderia ser, pra mim, menos Deus. Mais humano e próximo dos que se julgam semelhança dessa possibilidade criadora e mantenedora. Pragas do egito, imagens do apocalipse ou maravilhas do mesmo conto não subornam minha emoção, pelas tantas grandezas ostentadas.

Aos oceanos, sou aquele que prefere os córregos. A lua no céu me seduz bem menos do que na poça. Gosto mais da pétala que da flor em um todo. Emociona-me a samambaia, nem tanto a palmeira. Uma vez real, deus me quebrantaria se apresentando como pregam que nós devemos fazê-lo em sua presença. Com singeleza. Exatamente como aquele pai terreno que ao dirigir-se à criança para seja lá o que for, sempre se curva e faz com que ambos fiquem na mesma altura.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 03/12/2007
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