Um dia

Fim de ano, época de reflexões. Muitos gostam, alguns odeiam e outros são indiferentes. Refletir sobre o que aconteceu e gostar significa somente uma coisa: o que aconteceu agradou. Podem argumentar que pode-se gostar da reflexão mesmo que sua base sejam acontecimentos desagradáveis, uma vez que aquele que reflete sabe que, ao fazê-lo, estará dando um passo para que, daqui pra frente, as coisas melhorem. Não é desse tipo de prazer que eu estou falando. Não quero saber do prazer consciente e responsável pautado em previsões e esperanças. Estou falando do prazer instantâneo e egoísta do que já aconteceu. Lembrar de um fato e lembrar da sensação que lhe causou. Sob essa perspectiva, o fim do ano de 2007 é o melhor fim de ano de que me recordo, o que diz muito sobre o meu ano de 2007.

Um desses fatos de que me recordo – e um dos poucos que valem serem compartilhados sem ser egocêntrico – é, na realidade, uma lição. É algo que aprendi esse ano que desejaria ter aprendido há pelo menos 5 anos. Uma daquelas elucidações que fascinam e entristecem, pois o deslumbramento com o novo vem acompanhado da frustração do atraso. De qualquer forma, devo falar, sobre como eu pensava, o que eu aprendi, e como eu penso agora, nesta ordem.

Sempre desprezei a unidade. O que quero dizer com isso é que, por exemplo, não acreditava um voto faça a diferença na eleição, não acreditava que economizar centavos a cada faria diferença no fim do mês, não acreditava, enfim, que uma ação isolada fizesse diferença. Eu não sei exatamente o por quê dessa descrença e, na realidade, não me dispus a analisar motivos aqui. O fato – e a idéia central do texto – é que eu não acreditava que um dia fizesse diferença na vida. Para mim era perfeitamente claro que um dia era um período de tempo curto demais para que qualquer coisa significativa fosse feita.

Estou certo de que alguns já acharam isso um absurdo, e com motivos (alguns dos quais eu falarei mais à frente. Outros eu ainda não descobri). Mas também estou certo de que mais gente pensa como eu e é para essas pessoas que eu escrevo, para que vejam o que eu vi tão tardiamente.

Voltando ao assunto. Se considerarmos nosso tempo de vida uma linha, eu via o dia como um ponto. Se nossa vida possui uma dimensão – pra frente – um dia não possui nenhuma. Enfim, é um ponto em sua definição geometrica. Para mim isso fazia o total sentido, uma série de pontos, um após o outro, forma uma linha, certo? Sim, com o detalhe de que, indiferentemente do tamanho da linha, são necessários infinitos pontos para formá-la, enquanto que nossa vida não é formada por infinitos dias.

Essa me parece uma metáfora adequada para retratar a maneira como eu pensava. Mais importanto do que retratar esse pensamento, no entanto, é evidenciar as implicações dele. Ora, se o dia não possui dimensões, ou seja, é uma unidade pontual, nada pode ser feito nele. Isso já foi falado. O problema, no entanto, que “nada pode ser feito nele”, mas sim que “eu não me dispunha a fazer nada nele, pois achava que tudo que fizesse seria inútil”. É puramente dialético: eu não me dispunha a agir, pois achava que de nada adiantaria, consequentemente o dia se tornava de fato uma unidade sem dimensões, o que completa o ciclo.

Me é claro agora que isso é um pensamento ridículo, uma vez que não há um período de vida em que não estamos inseridos em um dia (não há um intervalo entre um dia e outro) e a própria noção de dia é ilusória, uma vez que se o Sol nascesse e se pusesse 3 vezes em um período de 24h (a hora, aliás, também uma noção ilusória de tempo), viveríamos a mesma quantidade de tempo. Porém não há como lutar contra a convenção (nascemos concebendo o tempo como dias, horas e etc).

Por esse motivo, isto é, por pensar dessa maneira, deixei de fazer muitas coisas na vida. Deixei passar muitas chances, ou mesmo deixei de procurá-las. Deixei de dar importância aos pequenos atos. Esqueci que é através deles que se constroem coisas grandes: relacionamentos, carreiras, futuros. Eu acredito sim que, pelo menos em grande maioria, um dia é apenas suficiente para fazer coisas pequenas (e pode ser que um dia um escreva outro texto como esse me ratificando), mas aprendi a dar valor a essas coisas pequenas. Muito valor.

A quem esperava um grande motivo para tal mudança em minha pessoa eu peço desculpas, pois nem mesmo eu sei o motivo. Não há nenhum momento decisivo para a mudança, tampoucou nenhum relato extraordinário de um evento inacreditável que marcou minha vida para sempre. E talvez tenha sido justamente por isso que a elucidação aconteceu. Não foi nada de extraordinário que abriu meus olhos, mas sim o conjunto da obra. O ano de 2007. Um período de tempo no qual minha vida mudou profundamente, dia após dia. Um período de tempo que, com certeza, possui ao menos uma dimensão, ou quem sabe muitas. Ora, se um ano é tão cheio, com certeza todas suas partes são responsáveis por parte de sua formação, nenhuma dessas partes poderia ser destituído completamente de dimensões. Isso é teorização matemática. Isso não serve para a vida.

Apesar de ter me dado conta de tudo que foi dito até agora tão tardiamente e me entristecer por tudo que deixei de fazer, fico feliz antecipadamente por tudo que essa mudança de pensamento me permitirá fazer e espero ajudar alguns aqueles que ainda não se deram conta disso. Sim, esse tipo de pensamento não é possível de ser mudado apenas com aquilo que lhé é falado. Eu mesmo já tinha ouvido isso antes mas foi apenas quando eu me dei conta que se aplicava à minha vida é que tive realmente consciência de como deveria pensar. Ainda assim, como eu disse até agora, as coisas vão se construindo ao pouco. Espero cooperar para a disseminação desse pensamento.