Concerto em só maior
O velho entoa uma canção.
Suas rugas expostas, pichações da existência,
São partituras de uma sinfonia inacabada.
Sua canção é amena.
Nela, o amor que lhe foi furtado,
Os desejos que cegaram pelo caminho,
São acordes doces a ouvidos surdos.
Está velho demais para chorar.
Somente canta, poeta do holocausto pessoal,
A malevolência de uma vida estéril.
Canta com a gratuidade de um deus.
Nada espera de quem ouve.
Sua voz é, tão somente,
O correndo onde fantasmas passeiam,
Oriundos de sua memória árida,
Sedentos por veneração.
A calçada é o seu palco.
São componentes da mesma estética.
Eles completam-se, amam-se,
Compreendem-se,
Psicanaliticamente em contemplação.
Seu espetáculo chega ao fim.
Entorpecido de tristeza e fadiga,
Ele caminha, acordeom entre os braços,
Rumo a casa, tão velha quanto ele,
Prestar contas a si mesmo sobre o seu dia.