O Precipício
À beira do precipício, eu.
Meus olhos dançam nas órbitas
Tentando enxergar o fundo do abismo.
Qual mistério guarda esse vácuo
Encerrado entre paredões de rochas
Negras pelo tempo,
Mudas pela morte?
Como canta o vento durante a queda,
A última,
Por entre os cabelos, gelando os ossos?
Tu és esse precipício...
Tu és a morte que espera
No fundo impenetrável do despenhadeiro.
De braços abertos
Precipito-me para ti,
O abismo, a morte, a musa!
Tão profundo, gigante vazio,
Habitado por eternas nuvens,
Não vejo o fim – a morte –
Mas sei que está lá,
À espera de devorar-me.
Ó nuvens brancas e puras!
Vós sois impassíveis ao toque das mãos!
Diluí-vos ao menor contato com meus dedos...
Tu és essas nuvens
Que cobre este precipício;
Falso piso que se abrirá
E deixará livre a queda para a desgraça.
De braços abertos
Precipito-me para vós,
Ó nuvens, ó abismo, ó morte, ó amada musa!
O pássaro sobrevoa ora mais alto,
Ora mais baixo,
Dando rasantes no espaço abismoso.
Atravessando nuvens, domando o vento,
Parece ser o indiferente senhor do precipício.
Conhece ele os segredos e os mistérios
Do poço que engole, impiedoso,
Os que não sabem voar.
Ó pássaro, alado rival!
A ti o despenhadeiro revela os sonhos
E chama para brincar e sorri!
Oferece-te encosta para pousares
E abrigo para passares a noite!
A mim, reles suicida,
Recebe enigmático e raivoso,
Frio e mortal...
Pássaro, o abismo te ama
Como não amou a mim a Bela Imortal!
Atirar-me a ambos
É jogar-me em braços que não me ampararão;
É saltar para a morte certa.
De braços abertos
Precipito-me para ti, amor,
Nuvem, abismo, morte, amada!