Ab Imo Pectore*
Eu poderia, se morresse minha consciência,
E o respeito, a adoração e o amor que tenho por ti
Viessem me faltar,
Tentar minorar meu sofrimento
Noutros braços.
Mas eu tenho a certeza-
Como estou certo disso!-
Que, antes de consumar essa insensata aventura,
Em minha mente enfraquecida pela saudade
Eu ouviria a tua voz.
E, misturando tons de condenação,
Ironia e desdém, tu me dirias:
“Se sorveres dela os beijos
Com o desespero de quem se afoga
E tenta, em vão, debatendo salvar-se
Pensarás que são os meus beijos?
Seriam iguais aos que eu te daria?
Beijando-a, estarias beijando a mim?
Se dela receberes sempre
Aquele submisso olhar de paixão,
Aquele olhar que parece dizer:
‘Amo e vivo por ti’ ;
Dirias que esse olhar era o meu?
E que essa silenciosa declaração de amor
Vinha de mim?
A luz desses olhos seria a luz dos meus olhos?
Se ela, com uma voz doce
Banhada de verdadeira emoção
Te dissesse a todo instante
Que te ama, irias pensar
Que quem te falava era eu?
Encherias teu coração de júbilo
Como se tivesses ouvido isso de mim?
Se tu a abraçasses e sentisses
Dos cabelos dela o perfume mais inebriante,
Irias julgar que eram os meus cabelos,
O meu perfume que te embriagava?
Tu a trarias mais próxima ao teu peito
Pensando que era a mim quem acolhias?
E se pudesse contar com a certeza
De ser senhor dela,
Isso teria o mesmo gosto
Se pudesses dizer ser senhor de mim?
Ser possuidor do corpo dela,
De seu sorriso, de seus sonhos;
Poder acordar ao lado dela...
Tudo isso te daria a felicidade
Que terias se recebesses essas dádivas de mim?”
Não! Eu bem sei que não!
Das belezas do mar mais profundo
À divindade da natureza num pôr-do-sol;
Da mais alta soma em ouro
À mais calma paz de espírito...
De um sorriso inocente
À mais louca paixão de uma mulher...
Ter tudo isso ao alcance das mãos
Faria de qualquer homem
Um deus do contentamento.
Por que não a mim também?
Porque toda magnificência do meu existir
É representada apenas por ti.
Ter-te comigo seria como ter o universo
E ainda muito mais!
Ao mesmo tempo, a tua ausência
Simboliza a mais desgraçada pobreza,
O não contar ao menos com o próprio ar.
A tua falta para mim
Faz até mesmo a presença de Deus
Ser um traste facilmente dispensável.
Não... eu sei que não...
Eu sei que minha alegria
Poderia vir apenas do teu coração
Que não bate por mim!
Jamais eu encontraria felicidade noutros braços
Ou em sorrisos que dizem ser para mim.
Seria a suprema demência eu,
Já prostrado pela saudade
Entregar-me, e ser vencido pela razão,
Ao procurar em prantos
Por um seio que me console;
Ao dizer emocionado a uma mulher qualquer
As palavras que sonhei falar somente para ti
E que o destino não quis que ouvisses.
Eu sei, anjo da minha vida,
Que neste mundo por onde correm
Os chulos prazeres de uma gente desregrada
Não existe conforto para mim.
Não há olhar mais brilhante
Que me faça esquecer-te;
Não há sussurro mais intenso
Vindo de lábios mais belos
Que não me faça lembrar que ainda te quero.
Eu sei que te perdi para sempre.
Como dói, como me enlouquece
Reconhecer que te perdi!
Mas como eu também sei
Que nada a ti irá se comparar,
Que ninguém irá tomar o seu lugar
E que jamais me envenenarei
Pelo cantar da vida
Procurando o gosto de um amor
Que eu só quero de ti.
A mim, que não coube a fortuna de ter
A maior ventura do mundo,
Servirá de consolo saber que tenho
A maior dor e a maior saudade
Que o destino reservou unicamente para mim.
Para D.M.
* Do Fundo do Coração