Cálice de mágoas

Cortei meus sonhos em tua navalha e, agora,

Só tenho o sangue que brota de meu desgosto.

Minhas lágrimas banharam a terra, infrutífera,

E vários cactos nasceram ao poente.

Deitei-me à sombra de teu seio, bebi teu beijo,

E várias feridas chagaram meu corpo nu.

Troquei o jardim onde colhia gerânios,

Onde deleitava minh´alma com a poesia,

Pelas tabernas onde capitalizam alegrias artificiais.

- fui de encontro ao meu Eu mais vulnerável.

Deixei o menino que era, sorridente e faceiro,

Sentado ao pé de uma arvore morta.

E em seu lugar, até então aprisionado,

O demônio que reside em mim gritou ao sol.

Escrevi meu nome no livro dos infernos

E brindei vinagre e cicuta com a dama de negro.

Carregado de uma demência poético-decadente,

Sirvo, acrimonioso, dores em prato sujos.

Deixo escorrer minhas saudades fatídicas, meus pecados,

Nos lençóis pútridos de cabarés abstratos.

Tenho a loucura como mãe, bebo do teu leite,

E caio trôpego de embriagues no solo ferido.

- minha vida é uma página negra de um romance vadio.

Nada espero, tudo aceito, eximo-me de ponderações;

Deixo o vento da desgraça tocar meu corpo escanifrado,

Machucado pelos chicotes selvagens da existência,

E deleito-me num gozo mórbido e pungente.

Enterro-me vivo no porão das dissoluções permanentes e,

Com um cálice de mágoas e um pergaminho rasgado,

Sufoco o suspiro que ainda me resta.

Roniel Oliveira
Enviado por Roniel Oliveira em 10/09/2007
Código do texto: T646892
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