Cálice de mágoas
Cortei meus sonhos em tua navalha e, agora,
Só tenho o sangue que brota de meu desgosto.
Minhas lágrimas banharam a terra, infrutífera,
E vários cactos nasceram ao poente.
Deitei-me à sombra de teu seio, bebi teu beijo,
E várias feridas chagaram meu corpo nu.
Troquei o jardim onde colhia gerânios,
Onde deleitava minh´alma com a poesia,
Pelas tabernas onde capitalizam alegrias artificiais.
- fui de encontro ao meu Eu mais vulnerável.
Deixei o menino que era, sorridente e faceiro,
Sentado ao pé de uma arvore morta.
E em seu lugar, até então aprisionado,
O demônio que reside em mim gritou ao sol.
Escrevi meu nome no livro dos infernos
E brindei vinagre e cicuta com a dama de negro.
Carregado de uma demência poético-decadente,
Sirvo, acrimonioso, dores em prato sujos.
Deixo escorrer minhas saudades fatídicas, meus pecados,
Nos lençóis pútridos de cabarés abstratos.
Tenho a loucura como mãe, bebo do teu leite,
E caio trôpego de embriagues no solo ferido.
- minha vida é uma página negra de um romance vadio.
Nada espero, tudo aceito, eximo-me de ponderações;
Deixo o vento da desgraça tocar meu corpo escanifrado,
Machucado pelos chicotes selvagens da existência,
E deleito-me num gozo mórbido e pungente.
Enterro-me vivo no porão das dissoluções permanentes e,
Com um cálice de mágoas e um pergaminho rasgado,
Sufoco o suspiro que ainda me resta.