O rio
Chovia há dez dias
O rio estava cheio
Descia caudaloso pela encosta
Não se podia atravessá-lo
Nem corda
Nem balsa
Nem barco
Era preciso cruzar o rio
Mas enquanto durasse a chuva
Que caía há dez dias
Fazê-lo seria impossível
Nem céu
Nem sol
Ou arco-íris
Na beirada do rio
Os barqueiros aguardavam
Que a chuva se fosse
Era preciso transpor as águas
Que desciam o desfiladeiro
Ainda mais grossas
O rio era indomável
Na margem oposta
Camponeses aflitos
Esperavam sem esperança
O fim da tempestade
Ilhados sem abrigo
Cansados da chuva
Imponentes ante a força do rio
Era preciso esperar
Que o céu se abrisse
Que a chuva cessasse
Que o rio baixasse
Que levasse para um canto remoto a torrente
E trouxesse de volta as águas calmas
Das travessias diárias
Era preciso esperar
Que a chuva capitulasse
Que o céu parisse o alento do sol
Que o rio cedesse
E aproximasse as margens
Sem essas águas ruidosas
Que não têm piedade de nós.