As Cartas de Anatólio
Traços tão finos numa pena tão dura...
Quantas preocupações mascaradas
Entre notícias de paz e ventura
Tu ocultastes para as pessoas amadas!
Um rio de nankim no papel transfigura
As tuas glórias etéreas, tão passageiras:
Uma máquina a pedal, Elgin -de costura
Uma mesa de fórmica com seis cadeiras!
E o entusiasmo puro dos filhos crescendo:
É o Tolinho que estuda, é o Luiz que já fala...
E tua esperança, tua fé, vais assim escrevendo
No porvir, no futuro, nada enfim, te abala!
Arabescos esnobes e laçadas caprichosas
Não conseguem esconder tua pobreza honesta
Ganchos perfeitos e arcos maravilhosos
Mascaram tua bondade e tua alma modesta!
Caricias de chuva fazem crescer a colheita
E os beijos de amores, -as famílias!...
Suely e Osvaldo acabam tua seara perfeita:
Tens um poema em quartetos, e eu redondilhas...
Nem sempre a vida é boa: Muitas vezes é trapaceira:
Fanou no ventre da mulher que amas um filho prematuro
Como um jardineiro bruto e mau arranca uma roseira:
Arrancou-te inclusive a ti, tenro fruto recém maduro!
Não te deram mais uns anos, tantas esperanças!
A fé não sei se te acompanhou onde hoje habitas...
Pois partistes deixando mulher e quatro crianças
José Anatólio, Luiz, Suely, Osvaldo, Maria Rita!
A esperança, a virtude, a fé, o amor
A certeza da justiça divina e nela só
A saudade, a mágoa, a pobreza, a dor...
Estão nas cartas de Anatólio para minha avó.
As cartas estão borradas, por pranto
Por pranto? De Anatólio ou de Maria?
De Anatólio disfarçando seu desencanto
Ou de Rita que de viuvez enlouquecia?
Faz muito tempo que encontrei-as um dia
Estavam numa gaveta há muito esquecida
E as li descobrindo sua dor e sua alegria
Tua breve história tão rica, prenhe de vida!
Bendigo-te o nome e honro-te ainda
Sois para mim como um pai emprestado.
Pois que nasci dentre tua família tão linda
Assim te amo rogando: Deus esteja ao teu lado!
A Anatólio Souza Guimarães.