coisas que apodrecem
dentro de mim
há coisas que apodrecem,
gente apodrecendo, memórias e o meu próprio corpo eu sei,
como se o meu ser... como se ele inteiro apodrecesse,
como se eu inteiro desfizesse
junto de jornais desintegrando suas notícias esquecidas,
e as pessoas que passaram já não vivem,
estão todas mortas, estão todas escondidas,
as suas fotos nas colunas sociais
são agora obituários
juntos dos jornais que desintegram,
que não têm mais memória,
gente apodrecendo, túmulos e pesares,
e crianças sozinhas no escuro e com medo
gritam e em choro chamam suas mães,
estão todas mortas, estão todas escondidas,
e há coroas de rosas cravando o coração,
rosas brancas,
murchas, como é a força e a vontade
— havia um menino deitado no sofá velho e vermelho,
engrunhido, como se houvesse frio,
mas havia quentura e um mormaço na sala fechada,
as mãos entrelaçadas entre as pernas
e havia um cheiro ruim, como se os banheiros vazassem seu odor pelo ar,
e o suor no seu corpo sujo grudava,
a boca aberta e os olhos olhavam o nada perdidos,
houvera alguém que encontrar aqueles olhos,
mas estavam perdidos,
absortos no nada,
como uma estrela morresse e alumiasse o seu brilho passado,
mas não havia brilho, havia apenas morte
pairando a superfície escura da sala doendo.
o branco das enfermeiras caminhava rápidos passos no salão,
e os meus olhos se fechavam,
frios,
coisas apodrecendo dentro de mim,
no fundo de mim,
coisas apodrecendo, como se um único fim fosse a vida,
como se um mesmo fim guiasse os passos do universo,
como se o fim fosse enfim
no fundo de mim,
no fundo de mim.
(12/11/2004)