PIRAÇÃO DE UM ANDRÓIDE
 
Se eu não morrer,
Quando apear daquela estrela cadente,
Vou esbarrar no teu terreiro de macumba,
Invocar os Orixás e rodar à baiana.
Aí tu vais sentir a força do sincretismo:
Vais ver que teu cinismo – que dizes ser meu –
Só me levou à mutação
– Um brutamontes andróide avexado –
Presenteando-me um monte de grilos.
 
E aquele amor patológico... Lembra-te?
... Foi cassado!
Mas tu nem estás aí pra nada,
Amas, adoras, idolatras o vil metal,
Comes rapadura com farinha seca,
No inverno, no outono... nas águas.
Dizes que me amas e morres de ciúme.
 
Só que o ciúme esteriliza o amor,
Não é como o estrume,
Que a terra torna fétil.
Não nega o brilho do vaga-lume,
Não me deixa morrer de tédio nem esfume.
E seu despencar daquela estrela cadente,
Apesar do teu amor traquino e ladino,
Vou pegar ponga e curiar
A cauda garbosa do cometa andarilho.
 
E... adeus, humanóides!
Mas, toma cuidado, pode explodir!
Não vás acender velas
Se estiveres na tua órbita.
Tchau, amor nosso, libertário,
Sem nexo, sem anexo, solitário.
 
NOVAIS NETO. Ave Corrente. 2. ed. Salvador: NN, 1990, p. 93, 120p.