LOUCURAS DESENGAVETADAS, À MÃO

1.

Passei pelos corredores

escadas elevadores...

a vida projetou-me

no mais alto dos altos edifícios.

lúcido, como o mais louco dos loucos

vi todos os perigos possíveis

irreveláveis

vi a razão da vida esfacelada,

mostrou-se sem véus

sem céu: tudo inferno vivo

o desespero bateu fundo

e o coração disparou rumo ao precipício.

segurei-me no corrimão da reza

xô satã!

2.

Satã é assim:

sempre vem desesperar meu sonho

interceptar-me

desesperançar minha vida.

me levar à babel

pra ver os desencontros

distorções humanas

me jogar contra o muro das dores

me fazer ver o só

sem saída

sem cabeça

implantar labirintos em parafuso

e o seu chip de clareza

obrigado!

lucidez demais é risco

perigo

funil

dispenso

fico no confuso no difuso

pouca luz por favor!

3.

Tire a cabeça.

tiro na cabeça.

não, tiro a cabeça

esqueço-a

amanheço e anoiteço

ciente

fico atento e forte

ou o meu barco vai à pique.

não, não há saída fácil

frágil fico

se rédeas condutoras escapam

às mãos

como chegar ao destino

se o meu carro de cada-dia.

é cavalo louco

surdo

absurdo

4.

Não me encanto

com cantos de sereia

não, não me iludo

sei: loucura e lucidez calçam iguais

mas usam sapatos diferentes

fico atento ao tempo,

pois o vento não cessa

movimento.

argumento pra levantar

e andar contra

só para o cabelo voar

no contra-fluxo

não entendo tudo

mas

se fosse claro todo mundo via

loucura é perto

ronda

joga sua rede na alma

pesca no turvo do cérebro

acelera o ritmo

o pulso

quer tudo

o impossível

por isso desanda e nada quer

no momento seguinte

parafuso

não entre!

5.

A vida é assim: tudo escuro

becos mudos

imundos

submundo total

onde a luz se desvia

olhos que fecho

flecha

feridos de luz

6.

Lavar a alma

n’água de fonte

é necessário

tanto quanto ouvir música

prender luz na poesia

esquecer um pouco

o absurdo

relevar o perdido

esvaziar o pote é preciso

o cântaro

derramar águas

mágoas

cantar loas

é necessário

como salário

como conquistar amores

mesmos os vãos

os que se vão pelos ralos

os raros

como limpar poeira dos cantos

as gavetas que invento

chover é sempre bom

pra dentro também funciona

tente!

7.

A vida é assim:

engana mas depois se revela

não é novela

é como novelo

sem enredo pré

mas desenrola

é um filme ao vivo

sem ensaio

por mais que se queira e quero

juntar destinos

eles seguem na paralela

bifurcam-se

libirintam-se

apesar das nossas mãos

estendidas

e das migalhas-iscas

tem ruas que não se cruzam

inexoravelmente

é assim!

...........

Do meu caderno: Loucuras de gaveta á mão