A TRANSA
A TRANSA
Um dia depois do murmúrio e da dor em que nossas pernas se cruzaram
Depois que as lágrimas transbordaram do mergulho do afago
E que o silêncio foi a última palavra dita
E não acordamos nus abraçados e o olhar deu bom dia calado
Os cabelos, os lençóis, as manchas, os papéis espalhados
A poeira que todos os dias sujam os dias por mais que os limpemos
E a rua, que por ser rua foi pisada sem respeito, cuspida e atropelada
E a roupa por ser roupa foi usada, suja e abandonada
E o sexo por ser sexo foi pago, praticado e prostituído
Numa manhã como todas as outras manhãs dolorosas
Batemos palmas nas calçadas para o vai e vem perdido das pernas
E não alcançamos objetivo nenhum além do nosso limite
...paguei a divida há dois dias
A dívida impagável na fila da solidão em conjunto,
Da desgraça alheia, da paz banhada em sangue
E do amor: a maior dívida de todas, sempre com uma parcela atrasada
E a doença por estar doente me lembrou que envelheço a cada ano.
Sentamos, rindo de medo, de pavor, felizes por estarmos cansados
De dizer sempre as mesmas coisas e decidimos por fim a tudo...