O Anúncio de Minha Morte (Obituário)

Eis como quero que se anuncie

Numa folha ordinária ou num boletim qualquer

Minha morte inesperada,

E nem por isso lamentada.

"Faleceu ontem em nossa cidade -

E nela não deixará nenhuma saudade -

Um jovem sem grandes esperanças

E apartado de alegrias futuras;

Quixotesco cavaleiro de triste figura.

Não era estudante, médico ou bacharel,

Podia ser antes vítima do que réu,

Mas não tinha definida profissão.

Trabalhava no comércio a contragosto

Não por preguiça,

Mas por julgar inútil à humanidade sua missão.

Não deixa herança abastada,

Em verdade não deixa nada.

Nem esposa nem filhos,

Nem chorosa namorada.

Não lhe fica nestes tempos de difíceis economias

Ninguém a derramar lágrimas desperdiçadas.

Não deixa amigos.

Era mais corajoso que orgulhoso;

Guardou sua dor apenas consigo.

Ficam os pais conformados,

Os irmãos que tocarão em frente suas vidas

E uma família já de nascença apática,

Que por sua morte não se fará entristecida.

Deixa o finado alguns versos, sem qualidade,

Indignos de publicidade,

Mórbidas impressões de um mau poeta

Que sonhava o que não existia mais;

Que buscava ídolos dos séculos passados

Palavras que não ouviu

Dos homens de seu tempo arruinado.

De lembrança dele restará

Debaixo de seu leito, esquecidas,

Seu velho par de botinas, encardidas,

Que não mais correrão as ruas

Se esquivando das maldades do destino.

A causa de sua morte - apenas para constar -

Fôra uma terrível dor.

Mas se pudesse, em sua certidão de óbito

Estaria escrito que morrera de amor.

Seu velório foi curto

Como foram as alegrias d'infância.

Seu enterro, acontecimento sem importância,

Foi acompanhado por poucos, muito poucos

Que dele ainda se lembravam,

Posto que muitos achavam

Que ele já havia morrido há anos.

A família, obrigatoriamente enlutada,

Agradece possíveis condolências,

E pede que não se percam preciosas orações

Com quem zombava da existência. "

E se o tipógrafo, de cara feia e aborrecida,

Achar estas palavras muitas e exageradas,

Então, que não se publique nada.

Que a morte leve para o esquecimento

Aquele que não fôra convidado para a vida.

25/07/2000

Lester Cooper
Enviado por Lester Cooper em 15/12/2017
Código do texto: T6199266
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