TARDE QUENTE

TARDE QUENTE

Tarde quente e ainda não é o verão.

Mas é quase o seu limiar.

Um resto de primavera sopra, mesclando

na quentura vespertina,

o cheiro mavioso das flores.

Tanto choveu muito como fez muito

fPor isso, para essa gente frienta

rio no inverno, gripando muita gente.

que foi acometida de gripe,

o inverno não deixou a mínima saudade.

Mas a gente ficou boa da gripe

e a chuva no inverno encheu muitos

reservatórios, fertilizou o solo, acabou

com a seca que ameaçava ficar crônica.

Os poetas não precisam vivenciar

as estações durante o ano, para escrever

sobre qualquer uma delas.

Basta apenas que a inspiração imprevista

lhe revele na tela mental, feita

de paisagens interiores e exteriores,

algo poético de outono, de inverno,

de primavera e de verão.

Por assim dizer,

se a tarde agora está quente,

não importa se o calor é real

ou se esquenta, porque faz parte

de uma tarde calorenta,

que se enfadonha em versos livres,

cujo sonho é ver o sol brilhar intenso.

O bom da arte, é tambem sentir essa

sensação de vivência do que desagrada

(esse mormaço vespertino momentâneo .

agradando-se através do ofício de escrever.

O calor entedia na tarde, faz suar

o corpo, habituado aos diversos ofícios,

sobretudo os toscos, os braçais, da gente

simples, que nem imagina que está

sendo abordada num poema.

Sem a pretensão de não saciar-lhe

a sede, usando a linguagem poética

para lhe trazer a água fresca,

que lhe faça de novo hidratar o corpo.

Ocorre que, enquanto o poeta inventa

uma tarde quente num poema

circunstancial, recolhido no conforto

de seu recinto doméstico, lá fora,

o abafamento da tarde é real.

Só então, ele sente deveras, o incômodo

do tempo quente, por ele abordado

no texto poético. Logo sai para a área

lateral da casa. De súbito, vê o sol

esconder-se por trás de um bloco

de nuvens escuras. Rapidamente,

o tempo anuvia-se. O ar quente

se transforma em fresca primaveril.

As flores contentes, doam-se

em fragrâncias, a espalharem-se

pelo vento andejo.

Por fim, a chuva cai copiosa.

Ela é real e eterna como as coisas

divinas. O poeta inventa a tarde quente,

mas também vivencia a invenção

do que escreve, na realidade do tempo

quente e chuvoso instituído por Deus.

Adilson Fontoura

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 13/12/2019
Reeditado em 26/12/2020
Código do texto: T6818071
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