a rua é quem caminha

a rua é quem caminha,

não somos nós que caminhamos por ela,

a rua como uma mulher ensandecida

perdida do itinerário das horas,

ela caminha

sem que haja um caminho por fim.

nos encontramos

um ao outro

enquanto nossos corpos são levados pela dor,

olhamo-nos profundos os olhos, mutuamente,

e há, talvez, um medo de conhecermo-nos,

talvez um medo de obedecer o dia de agora,

de qualquer forma,

nos encontramos durante as sombras e os vultos,

os espectros da nossa esperança

sob a epígrafe marmórea dos nossos traumas insolúveis.

nos desenhamos a grafite

um ao outro

trêmulos

e quando percebemos havemos desenhado círculos imperfeitos

e havemos riscado rostos sem forma

e diante do espelho nos assombramos de não nos poder enxergar,

nossos olhos são apenas um desejo,

somente o desejo de ver,

há nuvens no céu e relâmpagos e estrondos e há medo,

porque não podemos caminhar.

a rua é quem caminha.

cambaleantes, seus passos nunca param,

não há descanso,

mas há imensamente uma corrente de pensamentos

quando as pessoas nos acorrem

pelo desejo de existir.

a rua é quem caminha,

a rua,

o sol e a lua se avoltearam de anjos sem pressa,

sonolentos,

e não há conclusão pelo ciclo das esferas,

a rua,

o teu semblante inquieto desenha a velhice,

todos morreremos,

mas a rua é quem caminha,

a rua é quem caminha,

a rua é quem caminha,

a rua somente,

sem destinatários.

(01/02/2005)

andré boniatti
Enviado por andré boniatti em 19/06/2006
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