Composição sem retalhos ou adeus boleia
Um caminhão de areia desceu
a cintura da ampulheta e ocupou
lugar na carroceria e na boleia,
graças a deus a tempo do fim
da viagem sem que às pressas
tivesse de descer em insegurança
na estação de trem rumo ao futuro,
o motorista nem parecia eu
enxergando o rosto no retrovisor
ao mesmo tempo em que carona
com cabelos ao vento e olhos
vermelhos aos ventos e às poeiras.
-
Levantar de surpresa uma orelha
e a sobrancelha do outro lado
do rosto, dilatar as aletas nasais,
respirar nem raso nem fundo,
sem a necessidade de tomar
fôlego para continuar a viagem,
sentar para ler um livro e encontrar
nele poema de conhecida autoria,
surgindo como se a leitura
fizesse nascer letra por letra
uma composição de signos
com ritmos próprios sem nascer
das intertextualidades das leituras.
-
Sem asas de sombra ou soníferos,
sem deixar de fazer a barba
nas manhãs dos dias de semana
sábados ou domingos a fim
de animar o outro lado do espelho
a se ver na solidão mais nobre,
por outros decantada como
degradante como os pelos
na pia esquecidos após o barbear.
-
Sem risos moribundos abolidores
do sorriso franco sobre o pescoço
raramente comprometido com
a gravata apertada ou o colarinho
ainda usado em casamentos ou
com o bem-estar da sociabilidade
onde caiba ser formal como poesia,
após perder de vista a teimosia
das ruínas capazes de conspurcar
a arquitetura da criação e do verbo.
-
Sem mais tantos rostos girando
em torno do falso sol da cara
ovalada por espanto tradutor
do medo de sentir encantamentos
abraço a solidão suave companheira
escura como o breu onde cintilam
estrelas que só os astrônomos
conhecem o nome com raras
descobertas de estrelas novas.
-
E a distinção que o corpo faz
do universo semeia diferenças
operárias abrindo novas estradas
para o interior mais próximo
(o meu) e para o cais da localidade
onde o mar respira mais sobre
calmaria do que sobre tempestade.
-
Labores sem suores frios brincam
com a teclas acariciadas pelos dedos
nem gordos nem magros, sem
excessos, e nada é cansativo
embora muita coisa se repita
na cabine da locomotiva numa
reorganização do mundo antes
em retalhos e comiserações diversas.