De agosto a outubro
Lá da infância guardo o amor à terra,
um dia sob a chuva de pingos grossos
na estrada em pancada e rumor alto,
rumo ao sorriso aberto em caminhos
de volta para a casa e além dela nas pedras
do morro com um bambuzal no cume.
-
Sonho com minha vó jogando milho
a um bando de perus que acorriam
ao seu trinado, com meu galo de briga
capaz de correr delas de crista erguida,
enquanto os outros lutavam até à morte,
um tanto emprestáveis para o ensopado
por causa da carne dura de gladiadores.
-
Lembro de minha égua negra – Andorinha –,
dorso negro escondido no breu da noite,
e ela dessa vez salta o mata-burro
numa manhã de sol ameno de inverno
na qual a cavalgo quarenta e cinco quilos
mais leve distante do agosto próximo,
tão próximo de nós como se fosse ontem
-
e amanhã em circunstâncias difíceis,
desde os anos cinquenta ao presente,
como quando houve o suicídio
de um chefe de Estado com tiro no peito.
Mas hoje o presidente diz que só
sai do palácio morto e de pés juntos.
Embora a eleição só vá ocorrer em outubro,
as urnas nunca mentem e, talvez,
elas sejam também anúncio de tragédia.