De agosto a outubro

Lá da infância guardo o amor à terra,

um dia sob a chuva de pingos grossos

na estrada em pancada e rumor alto,

rumo ao sorriso aberto em caminhos

de volta para a casa e além dela nas pedras

do morro com um bambuzal no cume.

-

Sonho com minha vó jogando milho

a um bando de perus que acorriam

ao seu trinado, com meu galo de briga

capaz de correr delas de crista erguida,

enquanto os outros lutavam até à morte,

um tanto emprestáveis para o ensopado

por causa da carne dura de gladiadores.

-

Lembro de minha égua negra – Andorinha –,

dorso negro escondido no breu da noite,

e ela dessa vez salta o mata-burro

numa manhã de sol ameno de inverno

na qual a cavalgo quarenta e cinco quilos

mais leve distante do agosto próximo,

tão próximo de nós como se fosse ontem

-

e amanhã em circunstâncias difíceis,

desde os anos cinquenta ao presente,

como quando houve o suicídio

de um chefe de Estado com tiro no peito.

Mas hoje o presidente diz que só

sai do palácio morto e de pés juntos.

Embora a eleição só vá ocorrer em outubro,

as urnas nunca mentem e, talvez,

elas sejam também anúncio de tragédia.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 03/08/2022
Código do texto: T7574262
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