Instante sobre instante
A noite realizava a introspecção mórbida
do inferno, mas o fogo nas vísceras
vinha da mais alta chama feita de pétalas
azuis como o mar profundo em calmaria.
Agora o inferno é reconhecido
como abismo, e o passo em falso busca
outra direção. Desde anteontem,
a distração deixou de ser perda de tempo.
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As horas perdulárias eram sem esperança,
e, como ensinara Clive Staples Lewis,
a fantasia perigosa era superficialmente
realista. É fato que existiram as pessoas
com cara de gárgula em desenho de feras,
com braços mais longos do que poderiam
alcançar. Os dedões delas eram estufados.
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A chama que produz oxigênio é aura,
se o abismo for apenas acidente de percurso,
é possível caminhar cartesianamente
entre as bestas que sempre nos espreitam.
O fatalismo é diferente da fatalidade.
É bom caber o céu dentro de ambos
os pulmões. Isso alegra os alvéolos.
Existe o tom do vermelho que enfeita
o sorriso e os cílios no entorno dos olhos.
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A partir do dedilhar pode surgir um piano,
as ondas e as marolas são a musicalidade
do cais. O abismo preenchido some
das proximidades mais íntimas, é fato.
Quando largo o gesto, nada se precipita.
O horizonte deitado é um sonho bom,
o navio sempre almeja atravessar essa linha.
Mas para quê romper o mar neste instante?