Instante sobre instante

A noite realizava a introspecção mórbida

do inferno, mas o fogo nas vísceras

vinha da mais alta chama feita de pétalas

azuis como o mar profundo em calmaria.

Agora o inferno é reconhecido

como abismo, e o passo em falso busca

outra direção. Desde anteontem,

a distração deixou de ser perda de tempo.

-

As horas perdulárias eram sem esperança,

e, como ensinara Clive Staples Lewis,

a fantasia perigosa era superficialmente

realista. É fato que existiram as pessoas

com cara de gárgula em desenho de feras,

com braços mais longos do que poderiam

alcançar. Os dedões delas eram estufados.

-

A chama que produz oxigênio é aura,

se o abismo for apenas acidente de percurso,

é possível caminhar cartesianamente

entre as bestas que sempre nos espreitam.

O fatalismo é diferente da fatalidade.

É bom caber o céu dentro de ambos

os pulmões. Isso alegra os alvéolos.

Existe o tom do vermelho que enfeita

o sorriso e os cílios no entorno dos olhos.

-

A partir do dedilhar pode surgir um piano,

as ondas e as marolas são a musicalidade

do cais. O abismo preenchido some

das proximidades mais íntimas, é fato.

Quando largo o gesto, nada se precipita.

O horizonte deitado é um sonho bom,

o navio sempre almeja atravessar essa linha.

Mas para quê romper o mar neste instante?

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 27/09/2022
Código do texto: T7615244
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.