Outro(s) eu(s)...

Outro de mim nasceu,

Na calçada de uma padaria,

Pela madrugada,

Ecoando o mesmo grito que tenho agora.

Nasceu com data de validade.

Alguns minutos ou anos, talvez,

Fadado à fome, ignorância, desprezo,

Ao extermínio por um sistema que não escolheu.

Enfim, nasceu, por assim dizer, assim como todos os eu(s).

Seu rosto era negro.

Tinha na pele manchas de seus ancestrais,

Máquinas de suor e esperança,

Enfileiras nos braços feitos de carvão úmido.

Rejeitou o ar que recebeu.

Ambicionou um seio materno, não teve;

Desejou um colo, foi negado;

Estava com sono, um tabefe lhe foi ofertado;

Explodiu em febre, ninguém sentiu calor;

Ansiou morrer, obteve sucesso.

Uma senhora que passava, bíblia em punho,

Disse, mesclando aversão e alivio:

“Era só um “negrinho”! Antes ele do que eu!”

Roniel Oliveira
Enviado por Roniel Oliveira em 31/01/2009
Código do texto: T1415458
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