TEMPESTADE
A chuva soca novamente o telhado torto das sobrancelhas acesas no escuro turvo do momento
desce deslizando na língua da saudade fugidia pintada de roxo, amarelo e cinza
colore os passos nessa mansão escura escancarada pela boca da alma sentada, sozinha
mancha os cabelos do dia, tinge de vermelho o vestido da noite, umedece as pernas da manhã
corre sem destino até tropeçar no toco minúsculo do vai e vem atroz que acorrenta a fala.
dança tristemente entre os pés descalços da agonia das horas inúteis em claro
esquecida, deságua no precipício infinito da solidão das tardes cegas a embalar o cansaço
sai caminhando às cegas, apalpando, os corpos nus em brincadeiras descabidas
vai atropelando gente, derrubando barraco, desmoronando o firmamento derretido
até acariciar novamente o leito pálido das nossas noites na areia, lençol de fumaça verde.
e principia um sorriso sedento com dentes podres e lábios rachados num cadafalso suspenso
enche os potes da esperança feito o cárcere pungente de um câncer exposto
cadencia o dedilhar invisível dessas palavras levadas pelo vento seco do porto-adeus
inicia um choro, um soluço, um resmungo infeliz de quem já não sabe o que dizer
e inunda de uma vez toda essa massa cinzenta em caminhadas hostis pela cidade.