JOÃO NINGUÉM
O pranto não era ouvido
Porque era sufocado
As lágrimas não corriam
Porque os olhos eram áridos.
A vida era tão sem graça
Vazia de emoção
No peito, quase parado,
Batia um coração.
Nas mãos, restos de carinho
Encolhiam-se entre os dedos.
Nos lábios, um sorriso cínico
Escondiam um grande medo...
Na barriga, a fome ingrata
Mastigava os intestinos
No cérebro, uma surda revolta
Empurrava-o ao desatino.
Na cidade um sonho sacro
Para quem tinha um teto
Pra ele, uma casa exposta
Na rua fria, ao relento.
Esperança não havia
De um dia ser alguém
Ler, escrever não sabia
Era só um “João-Ninguém”.
Ele, apenas uma criança
Não tinha como lutar
Sua única alternativa
Pra comer era roubar
Começou pela comida
Depois, outras coisas mais.
Um dia a sua vida
Foi manchete de jornais.
Deu quase uma página inteira
Seus crimes enumerados
Mas quem desgraçou “João-Ninguém”
Jamais se sentiu culpado...