JOÃO BRASILEIRO

Debaixo deste céu de anil,

nesta pátria amada, violada,

e tão gentil,

eu vejo o João Brasileiro

e sinto a sua esperança...

È miúda a esperança de João,

mas João ainda luta.

João não para.

Não pode parar

não pode cansar

não pode viver

não pode morrer

não pode esquecer

não pode atrasar!

É um João negado

um João apressado

um João confiscado

um João violado

João atropelado!

João vê a mulher,

vê os filhos também.

Avança na luta

e diz sempre amém.

É um João que anda

buscando uma luz

na triste ciranda

pregado na cruz.

(......)

João corta de foice

nas juquiras.

João corta cana

nos engenhos.

João corta a mão

nas serrarias.

... Mas tem a outra mão!

– Não pode parar!

E seu coração

não pode chorar.

Tem que trabalhar!

Tem que trabalhar!

Não pode querer

mas quer esperar.

Esperar o que?

Esperar mais pão.

E lutar com que?

Com a outra mão.

...Esse é seu destino

meu amigo João.

Mas é tão raquítica

sua esperança

sua confiança

e sua saúde

– ele não se ilude –

já é sifilítica.

(.....)

João engole pó na estrada

João dança com sua enxada

e planta o sonho no chão

e caleja sua vida

lá nos confins do sertão.

...E rasga a pele ressequida

nas caatingas

e bebe o caldo fraco

das panelas

e cheira a fumaça das fábricas

e volta pro barraco

nas favelas...

E na miúda esperança

ele espera, ele espera, ele espera...

ele dança, ele dança, ele dança...

ele corre, ele corre, ele corre...

ele morre, ele morre, ele morre...

ele era, ele era, ele era...

...era um João debaixo deste céu.

SGV. (06/01/95)