Saga

Saga


Eis o meu irmão
Cabisbaixo e tacanho
Caminha por caminhar
Sonha por sonhar
Pois decerto já sabe
Não há lugar algum para chegar.

Eis o meu irmão
Que se não sorri
Asseguro que também não chora
Riso, de onde há de fluir?
Choro, de onde há de brotar?

Eis a minha irmã
Em catres está nua. Toda nua!
Sua vagina intumescida nada sente.
“Até a alma já se perdeu” decretam virtuosos pastores
Salvo se as patacas que ganhou à noite
Convertem-se em dízimos vultosos.

Eis o meu irmão
Que mesmo fincado em seu chão
Responde pelo peso que emperra a nação
Que cansado de “projetos Rondon, DNOCS, Sudene, Ders,
Bolsas disso ou daquilo, tornou-se retirante.
Pois nada contenta o meu irmão
É tão orgulhoso!

Na distante Guaribas
Fotografaram meu irmão.
Cédulas em sua frente gritaram:
-Olha o passarinho!
Ainda assim meu irmão saiu mal na fita.
O que não agradou muito ao doutor.

Vive de esperança.
Chamado pelo anúncio
Meu irmão vestiu sua melhor roupa
Calçou seu melhor sapato
E foi ao banco pegar dinheiro.

-Comprovante de renda!- bradou a mocinha por trás do balcão
-Se eu tivesse renda eu “num tava” aqui.
-Além de tudo malcriado! Resmungou a mocinha.

Meu irmão soletrou a deixa no muro:
-Morte aos negros e nordestinos!
Meu irmão reagiu:
-Isso é covardia! Logo agora que depus a peixeira e a garruncha.
Ah, meu irmão!

Pasta debaixo do braço
Aprendeu a reivindicar
-Eu reivindico isso!
-Abaixo isto!
-Fora aquilo!
Meu irmão anda tão saliente!


Prole numerosa
Onera a previdência
“Fode demais este meu irmão”
-É preciso castrar minha irmã. Disse o doutor

Leite é caro
Remédio nas alturas.
Uma já pariu quinze
A outra dez.
Esta tão nova e já tem cinco.

Minha irmã é de um cinismo sem precedentes
Mãos na boca para esconder os poucos dentes
Diz a sorrir:
-“teve” uns que nasceram mortos.

De olho na TV que nada vê
Que não vê que a mesa farta da ficção é uma afronta
Que não vê que o santo é de barro
Que não anda devagar com o andor

Que não vê que desde a barriga aprendeu
Que mulher com mulher vira jacaré
E homem com homem
Vira lobisomem.

Eis o meu irmão
Por parte da ilusão de um Deus
E do engodo de uma nação injusta
Que não pode curar meu irmão
Justamente daquilo que é sua marca:

Rugas, dentes nenhum, um velho chapéu de palha
E a sua inseparável e inabalável fé
Em meio à aridez da terra
E de corações.





Jota Jota Sousa
Enviado por Jota Jota Sousa em 15/03/2008
Código do texto: T902060