UM POEMINHA AMAZÔNICO
Abortado na beira do rio,
O menino metade peixe, metade jacaré
Nunca imaginou ser poeta
Nunca sequer tinha ouvido falar de poesia
Aprendeu a virar gente fazendo farinha
Teve que abandonar as nadadeiras
E trocá-las por braços pra poder
Agüentar o trabalho escravo da roça
Teve que trocar as patas de jacaré
Por patas de gente pra se manter firme
Sob o paneiro, sob a saca de mandioca, sob a vida
E aprendeu a fuçar o chão quando tinha fome
O menino metade peixe metade jacaré
Agora era metade gente, metade porco
No meio das pedreiras e vitrais.
Tinha que tomar banho de lama
Perto do cais pra suportar o calor infernal dos trópicos
E caminhar invisível por entre as pessoas feito camaleão
Depois que assumiu um aspecto pálido esverdeado
De quem passa fome e só come porcaria
Já não se podia distinguir se era um homem ou uma mulher
Sob os trapos e sacolas que perambulava pelo centro da cidade
Comendo junto com os cachorros e pedindo pinga
Nos botecos que circundavam os puteiros portuários
A cidade aprendeu a se assustar com aquele
Que era um de seus moradores mais antigos
E que agora sujo ficava gritando palavras
Confusas e difusas nas Escadarias dos Remédios
Encenando obscenidades com as mãos
Enquanto as pessoas iam e viam do interior do estado...