CARRO PIPA

Lá vem apipado d’água

O "santo" do carro pipa!

E pra reunir o povo

É que o carro pipa apita.

Trazendo mais do que água

Potável pra ser bebida,

Trazendo mais do que o líquido

Que mata a sede agressiva.

Trazendo mais do que água

Com a qual se faz a comida,

Trazendo mais do que o líquido

Que aplaca a fome maldita.

Trazendo mais do que água

Que o nosso corpo hidrata,

Trazendo mais do que o líquido

Que quando falta maltrata.

Trazendo mais do que água

Que alegra velho e criança,

Trazendo mais do que o líquido

Que dá saúde e esperança.

Trazendo mais do que água

Que enche o pote, o tonel,

Trazendo mais do que o líquido

Pra socorrer do revel.

Mas logo tudo acaba

E carece d'água de novo,

E a vida fica uma escrava

A espera doutro socorro.

A espera d’outra visita,

Do caminhão salvador,

Do “santo” do carro pipa

Que sacia o sofredor.

O pobre do nordestino

Com sua dura desdita,

Que carrega a lata d’água

E no favor acredita,

Sem saber que aquela água

É mais do que água limpa,

Sem saber que aquele carro

É mais do que carro pipa,

Sem saber que aquele gesto

Tem, oculto, uma conquista,

Tem oculto um interesse

Mais veloz que vai na pista,

Que aquele carro escraviza

A precisar de guarida,

Que aquele carro é montado

Pra limitar nossa vida,

Pra não sonhar com um poço

E caixa d’água construída,

Pra não sonhar com um rio,

Transposto pra Paraíba,

Que aquele tanque no carro

Carrega água medida,

Que aquele tanque é gaiola,

Uma prisão escondida,

Que aquela água do tanque

Socorre, mas sacrifica;

Deixando o povo com sede,

Esperando outra visita.

Que aquele carro conquista

Uma gratidão — merecida?

Que aquele carro dá voto,

Uma eleição garantida.

Que aquele carro é fachada,

Tem outra face escondida,

Deixando o povo privado,

Com água pouca, medida.

Deixando o povo com sede,

Pra lida ser repetida,

Deixando o povo devoto,

Do “santo” do carro pipa!

— Antonio Costta