Invernada da memória

Oh, pampa amado! Que o dia tu colhas!

No lusco-fusco do teu amanhecer,

Ouve-se o quero-quero, a embevecer.

O sol infiltrando-se entre árvores e folhas.

De mansinho, acende as lâminas geladas

Que escorrem num lento derreter.

Verde, que ainda nem é enverdecer,

Cobre-se do branqueado das geadas.

Cevando o mate, pela janela do galpão,

Olho o galo que, recém-acordado,

Espreguiça-se num canto toado,

Para acordar esse nosso mundão.

E a cambona chia sobre o braseiro,

Avisando que pro mate já está quente.

E a luz do sol, toda vermelho-dourada,

Vai acordando o que vê pela frente.

Ao longe, entre as coxilhas abertas,

Por um motor, o silêncio é quebrado,

É o caminhão que busca o leite pojado

Para alimentar as cidades alertas.

Lembro dos causos contados à noite,

Do lobisomem à mula-sem-cabeça,

Aos mais jovens, antes que me esqueça,

Cada história terminada era um açoite.

E, quando era o momento de irem embora,

Ao passarem pelos campos e pelo arvoredo,

Sozinhos, rumo às casas, batia-lhes o medo,

De a lenda ser verdade, e essa a sua hora.

Mateando solito, à beira do fogo de chão,

Penso na lida que começa, como todo dia.

Meu pampa é inteiro como bela poesia,

Que se cria e cresce, no esforço do Artesão.

JorgeBraga
Enviado por JorgeBraga em 27/06/2011
Código do texto: T3060466