Da menina sem seu pai

Por que não deixaste eu ser tua menina?

Brincar no lago ou rolar na grama...

Por que jamais nos bordamos de lama?

Nem viste minhas asas de musselina!

Cabelo, eu o tinha de castanho-ouro,

Comprido, em cascata encaracolada.

Não lembras? Por certo nem era notada,

Tuas lidas erguiam-se como meu pelouro.

E a minha casa também ficou triste.

Mesmo sem ter-me sentado nos joelhos,

Eras aquele senhor... o dos conselhos,

Tu foste embora, como quem desiste.

Depois que me deixate, ainda criança,

À hora que chegavas para jantar,

Corria à porta, ouvindo teu andar...

Mas tu te foras..era só lembrança.

Levantei a cortina da janela

Sei o que foi aquela longa noite;

Nem pensavas no que era meu açoite...

Da tua vida? Nem soube mais dela

Sonhei que nós criávamos paisagens,

Comíamos amoras tão maduras,

Corríamos, mãos dadas em ternuras,

Sorrias para mim... Minhas miragens!

Nas frestas temporais foste sumindo...

Saltei barreiras, como se voasse,

Corri mais do que se do céu ventasse,

As mais frondosas árvores subindo...

É hora do jantar, (já não mais voo),

E eu estou tão feliz, porque liberta;

Irei até à porta e, após aberta,

Gritarei para a vida: - Eu te perdôo!