GRELO DA PALAVRA
Não fosse o capturar das flores
Que se embalam sob este casto poema
Detestaria cingir o ar de branco pérola
No entanto cinjo-lhe verde esperança
- e desgalho-lhe raivoso
Qual maça traída que se presta
A se gozar sob o grelo da palavra
Que à revelia do papel retorcido da maçã
Bem que esse grelo poderia comer carne de javali
Porque me sendo sôfrega canção prostituta
A dita não me revelaria o paradeiro de minha fala
Espumantes sobras de rios e galas
De cálidos elixires humanos
Que em crasso manjar me prenderia
Sobretudo às esquizofrênicas pestanas
Ó palavra!
Vejo-te mulher crescida
E ainda assim nem me és poema
Mas ao fim da ceia
Provo de teu mel
Este pusilânime mel que ato contínuo
Purifica o charco de minha lavra
Porque coabita dentro de mim
E sob efeito de haxixe
Não se cabe dentro de si...
E é por não fugir da lavra da palavra
Que sou predestinado a ser rubra ferida
Escaldante cascata de voz
Posto que em transe não escrever o que sinto
Receberei castigo explícito
Poderei ser igualado a um beija-flor de vidro e corte
Um tanto desbordado de dores
Mas que posso esperar
Deste rarefeito beijo que as tascas no poema
E que me sufoca o cerne?
Só sei que lhe cinjo o ar de sombra e árvore
Mas não lhe o enxoto de mim
Pois mesmo tendo que aguardar pacientemente
O refluir do vômito deste ar
Deságuo minha sede neste poema
Já que sou conjunção ativa buscando vidas
Podendo quem sabe até
Fazer este poema remover ferrugens
Contorcer miragens
Entrelaçar-se aos meus dedos
Cansados de poetar
O que nem sei se sei
Que me parte em vida
Ou o que não sei se sei
Que me cabe desflorar
Já me desflorando
Em parte