MARIANA

Ela abriu a janela e olhou o horizonte distante

No meio daquele deserto, a terra tinha sede de chuva

E a plantação morta tinha fome do fogo depurador.

Uma lágrima caiu do olho verde cheio de tristeza

Enquanto o sol continuava a beber os rios,

Os poços, os açudes e todas as lágrimas que resistiam.

Vendo o céu mais implacável que o próprio inferno

E sabendo que a fome era como uma fera

Que devorava primeiro os enfermos, depois os fracos

Para em seguida enlouquecer o que sobrou dos fortes,

Mariana lembrou-se que havia sepultado Flávio anos atrás

E junto dele, sepultou também os sonhos.

Abrindo a porta, iniciou sua marcha até o poço:

O único poço que ainda não secara e que continha água

(não era água, mas um fluído de barro salgado).

Encheu um jarro com aquela água espessa, salobra.

Pôs sobre a cabeça e voltou para sua casa.

Chegou à porta tremendo e o peso da vida a fez cair.

O sol, a fome, a sede e o cansaço secaram os seus olhos.

Mariana não pode mais nada ver.

Na soleira da porta da velha casa,

Caída como um trapo que o vento arranca do varal

Com os braços abertos como a implorar abrigo

Fez uma oração muito antiga

E a morte decepou-lhe o pouco que restava de vida

Antes que pudesse finalmente dizer

Amém.

Marcos Aurelio Paiva
Enviado por Marcos Aurelio Paiva em 11/08/2006
Código do texto: T214105