ELEGIA DO MAR ABERTO (janeiro de 1997)
Noite, minha insone e infalível amiga!
Chegaste enfim para ouvirdes meus lamentos
E oferecer-me o desconforto do teu silêncio!
Lança teus olhos escuros sobre essa criatura sem lume
Vêde agora quem sou eu:
Eu "sou uma vida que deveria ter sido,
Mas que não foi".
Sou um poço profundo, muito, muito fundo,
Mas completamente seco.
Sou um livro mal escrito, cheio de pleonasmos
Cacófatos inumeráveis, hipérboles mesquinhas.
Sou uma história mal contada, cheia de senões,
Adiamentos, condicionais, vocativos, reticências...
Quem sabe?
Quem saberia dizer-me ó noite incoercível
Quem costurou tão mal as velas do meu barco?
Quem teceu com algodão podre a minha bandeira?
Quem soltou cupins nos meus mastros?
Quem quebrou a agulha da minha bússola?
Porquê ? Porquê, ó noite silente e nigérrima,
Colocaram-me neste mar,
À deriva no mundo,
À margem do nada,
Alheio a tudo?
Sem tábua de salvação,
Agarrar-me-ei à ancora
Que deseja tão somente o silêncio e o frio
Do abismo...