ELEGIA DO MAR ABERTO (janeiro de 1997)

Noite, minha insone e infalível amiga!

Chegaste enfim para ouvirdes meus lamentos

E oferecer-me o desconforto do teu silêncio!

Lança teus olhos escuros sobre essa criatura sem lume

Vêde agora quem sou eu:

Eu "sou uma vida que deveria ter sido,

Mas que não foi".

Sou um poço profundo, muito, muito fundo,

Mas completamente seco.

Sou um livro mal escrito, cheio de pleonasmos

Cacófatos inumeráveis, hipérboles mesquinhas.

Sou uma história mal contada, cheia de senões,

Adiamentos, condicionais, vocativos, reticências...

Quem sabe?

Quem saberia dizer-me ó noite incoercível

Quem costurou tão mal as velas do meu barco?

Quem teceu com algodão podre a minha bandeira?

Quem soltou cupins nos meus mastros?

Quem quebrou a agulha da minha bússola?

Porquê ? Porquê, ó noite silente e nigérrima,

Colocaram-me neste mar,

À deriva no mundo,

À margem do nada,

Alheio a tudo?

Sem tábua de salvação,

Agarrar-me-ei à ancora

Que deseja tão somente o silêncio e o frio

Do abismo...

Marcos Aurelio Paiva
Enviado por Marcos Aurelio Paiva em 11/08/2006
Reeditado em 12/03/2008
Código do texto: T214120