A VIAGEM

Meu barco partirá, mesmo sendo parco de velas e entornos,

Ainda assim meu barco partirá esta noite.

Partirá do âmago desta penumbra

E é só isto o que sei...

Será esta noite. Partirei os elos já enferrujados que o prendem

À última âncora desse desolado cais.

Partirei sem ânsias nem ais...

Com a tranqüilidade de quem não tem pretensão nem pressa de chegar.

Do meu barco só retiro o erro que está no centro dele,

Levo comigo o resto para enganar a falta de sentido da viagem.

Parto assim, como quem chega,

Parto só porque não é possível ficar na areia,

Porque a minha alma anseia pela incerteza dos mares.

Meu barco é parco, inexato e precário,

Impróprio para a fúria das águas.

Porém, belo e valente.

Vem! Vê a minha partida. Vê como celebro a incerteza da vida...

Traga flores alvas para circundarmos o barco numa linda grinalda,

Traga aquelas lindas rubras amapolas que o inverno enegreceu,

Traga flores distintas! Enfeitemos nosso barco de contrastantes tintas,

Vem, traga-me flores porque a beleza é trágica!

Então verá a minha partida sem rumo, o meu avesso sem fundo,

O meu lugar sem mundo.

Lançar-me-ei na instabilidade das águas sem margens:

Único lugar que verdadeiramente me cabe...

Algum dia, quem sabe, estas mesmas águas

Devolvam-me a ignota beleza de outras margens...

Gil Guimarães
Enviado por Gil Guimarães em 23/08/2010
Código do texto: T2454457