A VIAGEM
Meu barco partirá, mesmo sendo parco de velas e entornos,
Ainda assim meu barco partirá esta noite.
Partirá do âmago desta penumbra
E é só isto o que sei...
Será esta noite. Partirei os elos já enferrujados que o prendem
À última âncora desse desolado cais.
Partirei sem ânsias nem ais...
Com a tranqüilidade de quem não tem pretensão nem pressa de chegar.
Do meu barco só retiro o erro que está no centro dele,
Levo comigo o resto para enganar a falta de sentido da viagem.
Parto assim, como quem chega,
Parto só porque não é possível ficar na areia,
Porque a minha alma anseia pela incerteza dos mares.
Meu barco é parco, inexato e precário,
Impróprio para a fúria das águas.
Porém, belo e valente.
Vem! Vê a minha partida. Vê como celebro a incerteza da vida...
Traga flores alvas para circundarmos o barco numa linda grinalda,
Traga aquelas lindas rubras amapolas que o inverno enegreceu,
Traga flores distintas! Enfeitemos nosso barco de contrastantes tintas,
Vem, traga-me flores porque a beleza é trágica!
Então verá a minha partida sem rumo, o meu avesso sem fundo,
O meu lugar sem mundo.
Lançar-me-ei na instabilidade das águas sem margens:
Único lugar que verdadeiramente me cabe...
Algum dia, quem sabe, estas mesmas águas
Devolvam-me a ignota beleza de outras margens...