TEU CÉU SOB A PONTA DE MINHA ESPADA!
I
Desaba-se em mim o céu de brigadeiro!
Às lágrimas talhadas da palavra
Desaba-se o mistério do olhar de perdição
Cuja queda d'água das altas montanhas pirolisadas
Há que lamber vorazmente
O sexo promíscuo da raça humana
– essa gala sensabor
Que comanda nossas maledicências poéticas!
Sei que hoje
O orvalho de mim mesmo
Há que precipitar-se da boca de Deus
E de tantos orvalhos que não vêem somente dele
Mas que vêem de mim e de santos soldados
Que hoje não sobrevivem apenas de poemas mal-alimentados
Senão de infindas dores e de mísseis latino-americanos
Todavia que a morte no front não me seja breve
Ó palavra com ar de mistério!
Ó força de origem desconhecida!
Ó dardo afiado que fura o coração envenenado!
Ó tantas bacias de cicuta!
Ó rendez-vous de espíritos caídos
Ó arco e flecha
- Onde se escondeu o hábil arqueiro da vida?
II
Cabe o teu céu sob a ponta de minha espada
Cabem-me todas as injustiças possíveis
Todas as inverdades impossíveis
Todas as angústias do mundo
- as angustias (meu Deus!) nos cortam as palavras!
O que antes eram apenas inocentes ilusões
Hoje se depara em forma de crucifixos de aço
Ó Deus! Ó Deus!
Que é o amor enquanto é?
Que é a dor enquanto não é?
Que é a palavra enquanto não está?
Que é o pavor enquanto è?
Que é o homem enquanto se destrói?
Que é a verdade enquanto não cabe?
Sei que com os admiráveis truques de guerra
Faz-se a bendita paz no horizonte
Mas há que se lembrar do futuro do homem
III
Mas há que se lembrar
Que a Deus imploramos sofridas renuncias
Sustento
Amor
Há que se desvendar
O homem: - um ser para a morte!
Há que se desdizer
O homem: - um claustro em movimento!
Há que se contestar
O homem: - um pássaro cativo!
Há que se maldizer
O homem: - um ser abominável!
Há que se construir
O homem: - um ser quase poético!
Há que se salvar
O homem: - um ser semelhante ao espinho!
IV
Sim! É desejo de minh'alma
Ó estômago ressequído!
Que caiam sobre a terra
Os arrependimentos de Judas!
As canções de John Lennon!
As palavras de Martin Luther King!
Os ensinamentos de Gandhi!
As bênçãos de Cristo e Maomé!
E a mercê de acreditar
No lamento das bocas de fome
Possa este poema esquivar-se
Da ganância!
Deste modo
Ao fim da ceia
Que caiam pujantes
Flores em edifícios nova-iorquinos
Que desapareçam tumores do homem
Que desapareçam as ferrugens brutas de Carajás
Que caiam vidas da neve amazônica
Pois que se calem também
As lamúrias das palavras malquistas
Os assobios dos mísseis londrinos!
V
Porque é meu desejo
Ó esperança!
Que caiam sobre todos nós
O doce burburinho das manhãs
Dos amanhã possíveis
Que floresça-nos por fim
O verdadeiro Deus
Cujo divino orgasmo ocultado na dor de escrever
Não mande falecer
Os grandes poetas baixo-amazonenenses
Porquanto sua farta languidez poética
Embebida de salientes orvalhos
Não se liquefaça gozada
Tampouco se deixe balear
Pelos tanques e baionetas
Das vaginadas Américas