Escrevo com sangue na parede da web

Rascunho com sangue na parede da web, verso com a pressa de quem escreve no muro e canto como quem bate prego, como quem rima na praia por qualquer troco. Tropeço nas palavras, erro na rima, mas não fujo do tema que me atormenta: Brasil.

É preciso pressa, despertar do sono. Não há tempo pra decifrar enigmas, descobrir significados trancados, decifrar os hieróglifos do Mar Morto. Por isso escreve assim torto, errado, sem platéia. Escrevo como grito, como o bebe chora, como única arma.

Faço das palavras panfletos, sem medo, são gritos primais, puro agito.

Palavras são armas, gatilho puxado, e eu atiro para todo lado, mesmo sem técnica apurada, primor, sem o beneplácito do doutor ou consentimento da roda erudita. Como quem não pode, não deve, não é da panela. Mesmo sem licença, exponho-me na praça e fico nu. Armo minha barraca de camelô e puxo esse cordel desconexo, de rima sem prumo, mas com rumo e alvo certo.

1.

Escrevo como grito

Faço destino como vida/ sem rascunho

murmuro em alto falantes

rebelo como um sem-guarida

nau desgarrada

me lanço na torre dos preconceitos

totens do dinheiro

me incendeio como aceno

e queimo-me inteiro

de palavras duras e de quedas

me livro

das páginas da vida

retiro

a seiva que destilo

letras sem crivo

censura

lisura.

Duro

drama que descrevo

do gueto revelo

outro som outro sol

o nó que se faz com dor desprezo temor

3.

Escrevo aos gritos

boto a boca no berrante

panfleto

com lavras próprias

com pá de dores

com lágrimas

com frases de paz e degredo

com raiva e fogo

com dor e horrores do gueto

Escrevo como rasgos

como acenos afogados

como gado no matadouro

vendo navios indo com ouro roubado

levado além-mar

olho aceso

peito batuque

muque feito

4.

Escrevo como o escravo acorrentado pela mão pelo pé

escrevo por dentro

sem pena

sem a pena dos feitores

sob o açoite

à noite

até que não chegue dia sigo gritando letras e dores