QUE MEDO**

Eu tenho medo

de não mais perder este medo

que pensava passageiro.

De me complicar

e não saber explicar

o que não entendi.

Tenho medo de ser feliz.

De desagradar o vizinho.

De fazer barulho.

De quebrar o silêncio das dez.

De ser embrulhado.

De gostar errado.

De brochar.

De trair e ser punido.

Do além.

De dar e não receber.

De fazer o mal,

mesmo sem querer.

De pisar no calo dos ricos.

De famintos.

De não ter o que comer.

De ladrões.

De roubar e não poder carregar.

De possuir

e não saber dividir.

De não saber perdoar.

De perder todos os sentidos.

De me sentir perdido.

Tenho medo de tornar eterno

o passageiro.

De ter que partir

para o estrangeiro.

Tenho medo de perder a razão

De me tornar lúcido,

em vão...

De discordar de tudo.

De concordar com a lei.

De ser fora da ordem.

De promover a desordem.

De tocar acordes dissonantes.

De sonhar em alto-falantes.

Tenho medo de concordar

no momento da discórdia.

De dar corda.

De recolher a grana.

Da gana de quem nada tem.

De ser o único,

o último, o primeiro.

Tenho medo de,

ao invés de falar, calar.

De nadar contra corrente.

De boiar.

De morrer na praia.

De ser destaque, despontar.

De ninguém notar.

De ser gênio incompreendido.

De ser só mais um fudido

que nada consegue.

que não plantou a árvore,

não escreveu o livro.

Do filho não vingar.

Tenho medo das dívidas.

De assinar o cheque em branco.

De dividir

as dúvidas.

Das dádivas.

De Deus me castigar

e do diabo a quatro.

Eu tenho medo de

não mais perder este medo

que pensava passageiro.

De me complicar

e não saber explicar

o que não entendi.

cp-araujo@uol.com.br