Mar

O mar é dizível nas velas membranosas dos tímpanos

às ventanias sibilantes das alvas e crepúsculos ou tempestades,

mesmo sob a hora perpendicular do sol,

quando os seres abissais refugiam-se em maiores profundezas

e o espírito goliardesco dos marujos está atento aos riscos,

aos riscos que a quilha do navio abre no mar;

no mar que não quer a demanda do navio ao porto.

O mar que engole com suas línguas todos os segredos;

o mar que aprisiona as sereias em enseadas e pedras;

o mar dissimulado das calmarias e do tédio;

o mar que invade grutas onde há a solidão dos náufragos;

o mar da ilha de Tortuga mergulhada em sangue;

o mar das pilhagens de navios por piratas da Somália;

o mar onde as cicatrizes abertas pela quilha se fecham

na esteira de espuma da popa, onde não há lanternas,

mas há o convés mais largo,

não infenso a solidão dos marujos e ao desespero.

Local que só interessa ao astrolábio pela existência do leme,

quando o horizonte é redondo e não há terra à vista.

Quando no passadiço o timoneiro importa igual ao Comandante,

porque o timão é a lira de todos os navegantes

e cada membro da tripulação é uma célula viva.

Verdade, sem o fiel d’aguada não há água doce,

e a água do lastro não é potável para ser bebida.

Sem o Contramestre o Oficial não descansa e a maruja

dorme no posto, na hora errada, no mar errante dos

naufrágios torpes, mesmo antes de serem lançadas espias

aos cabeços dos portos para surtar o navio depois do apito

da ramonagem, que alegra as urbes portuárias

e as do cais do retorno, antes que a propulsão pare e o navio

durma um sonho, no sono dos marujos ratos de bordo e dos

que baixam terra, na hora em que a noite é lançada como

tarrafa sobre o oceano.