Saltos Altos

Eu nunca a vi

Apenas desenhava o contorno

Do seu rosto enigmático

Com meus lápis grafitados

Minha caneta azul

O piscar reflexivo do seu olhar

Maquiado carismático

Pelo pisar dos seus sapatos

De cristais emblemáticos

Pelos toques dos estiletes

Pontiagudos agudos amolados

Dos seus saltos altos

Que iam costurando seus passos

Num balé ancestral

Com as agulhadas afiadas

Das suas pisadas

Riscando filetes nos tacos

Fotografava seu retrato

Das suas caminhadas em flash

Mental

Ás vezes

Tão precisas

Muitas vezes indecisas vacilantes

Ofuscantes

Dança de um cisne selvagem

Namorando os cios da lua

No piso do andar de cima

Do meu tugúrio solitário

Imaginava que seus cabelos

Eram compridos talvez negros

Como um corvo de olhos alucinados

Que grasna nas minhas noites

Insones de luar

Como as asas da graúna

A grunhir murmurar a cantar

Na floresta da minha janela verde

Nas madrugadas acordadas

Pelo vestígio deixado pelo vento

Na vidraça embaçada do inverno

Salpicada de chuvas vapores

Granizos

Conhecia bem o aroma

Do seu perfume em suma

O hálito do seu cigarro aromático

Com eles fui tecendo com filigranas

Desfiados da minha imaginação

O mapa do seu umbigo

E um tapete da guerra das paixões

De Troia

Sentia o seu respirar zen tântrico

O degustar arfar bocejar

O gole do seu vinho suave

Colhido de antigas safras

Amadurecidas inebriadas fermentadas

Pelo tempo

Envelhecido em porões escuro

Em tonéis amargos

Que no toque de seus lábios

Tornavam-se doces

Cítricos transcendentes adstringentes

Silencioso entre os dentes

Ruidoso deslizando na língua caliente

Misturando-se com os blues da vitrola

Com o matiz do seu batom

A percussão das unhas pontiagudas

Esmaltadas em rubro tom

Tocavam no cristal da taça

Tornava-se uma calma embriaguez

Que passeava nas quase eternas

Madrugadas amanhecidas

Sabia das suas leituras dos seus romances

Pelo folhear das páginas sussurradas

Dos seus poemas apaixonados

Decassílabos declamados soluçados

Pelas lágrimas que caiam

Entre suas pegadas conturbadas

Conhecia os acordes do seu piano

Gostava de Bach

E parecia que seu coração buscava

Um antigo amor

Mas um dia o pisar dos seus sapatos

De cristais partiram emudeceram

Nunca mais tocaram

No andar de cima do meu kit net

E eu não soube interpretar o silêncio

Que passou andar no teto

Acima

E tudo virou um enigma

Ainda escuto o ruído silencioso

Que ficaram gravados

No chão dos meus pensamentos

No calar dos seus sapatos altos

Mas seu rosto foi perdendo

Os contornos dos lápis

Dos carvões e dos grafites

No meu caderno de desenho

E perdi o ponto do crochê

No meu tapete lendário

O que ficou bem nítido

Ainda

Foi aquele acorde em si bemol

Na minha pauta mental

E que não me sai

Da cabeça

E fica tocando nos meus ouvidos

E aqueles passos tocados no solo

Silencioso

Cadenciados

Às vezes incompreensíveis

Ilógicos

Que não me deixam dormir

Aqueles saltos altos agulhados

Num balé de Andaluzia

Em ecos silenciosos

Sempre me deixaram

Em sobressaltos.

Luiz Alfredo - poeta

luiefmm
Enviado por luiefmm em 11/06/2013
Reeditado em 11/06/2013
Código do texto: T4335544
Classificação de conteúdo: seguro