Está tudo certo, mas está esquisito

"Não sou nada./ Nunca serei nada./ Não posso

querer ser nada./ À parte isso, tenho em mim todos

os sonhos do mundo." (Fernando Pessoa - sob o

heterônimo de Álvaro de Campos, in Tabacaria)

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Não sei se estou apto

A lidar comigo

E tudo o que me brota

O que aflora

O que destoa

Desbota

O que tem nódoa

E o branco da folha

O certo e o que erro

Se tudo me vem em novelo

Não sei se estou apto

A desenrolar meus nervos

E expô-lo assim

Aos corvos

Destilar minhas águas

Minhas mágoas estocadas

Meus mundos fundos

Minha coleção de sargaços

Quinquilharias

E alegrias raras

Estou sempre à procura

Da cura

Mas a loucura espreita

Vivo no meio do povo

Riscando fósforo

Botando fogo no circo

Sou riso

Um risco. O que destoa

Não sei se tenho gás

Um ás na manga

Um truque

Tesão para a próxima foda

Não sei se estou apto

Para lidar com as fases da lua

Se tudo muda e volta

Ao ponto de partida

Se a ferida reabre

Se o País desanda

E a estupidez predomina

Parece sina

Mas cansa

As crianças já cresceram

Não há mais censura

Ou tortura na política

Quem quiser que critique

Mas quem duvida

Que há um silêncio eloqüente atroz

Por trás do pano

E assim concluo:

Não! Não estou apto

Para esse momento exato

Sou só uma cabra do mato

Queria ficar no meu quieto

Não gosto de disputa de luta bruta

Não sou do concreto. Pedra muda.

Sou só uma água qualquer

Sei nada

Sou nada e acho que está esquisito

Esse tempo...

É tudo!