Musa Pressentida no Metrô
Do insuspeito vagão de trem, invade-se-me
o cheiro de frutas. Quem entre estes humanos de olhos de nuvem
de olhares tristes, perdidos
num anteontem passivo, exalará
um tal aroma?
As almas cheiram à flores;
mas as musas são como frutas.
Adivinho-lhe o cheiro no perfume da maçã;
suave de quase nada, vem o cheiro da goiaba
e resta o cheiro da romã.
Quem entre os corpos suados e desistentes
esconderá a minha musa, como um invólucro de carne, como um
vivo recipiente?
De onde provêem esta fragrância?
Olhava, olhava. E antes de poder vê-la
me perdia no momento, no balançar
do trem.
O meu desejo profundo
que se ardia, queimava o mundo
ofuscava o meu olhar
anulando o desvelamento.
E tudo era instável, instancia.
E tudo se movia, imanência.
Só o meu silencio atento
que, estanque, permanecia.
No olhar de uma mulher alta
a musa eu procurei;
nos seios de uma pequena, a musa
eu pressentia.
Quem entre estes seres me sugere pelo aroma, a feitura do poema?
Lá fora, entretanto, o avesso se avoluma
na velocidade futurista, irreal.
Penso em Marinetti; e penso que somente
a musa, esta, podia ser real; somente o verso
(ou a arte) que presente
era um fator preexistente.
E antes que houvera a musa, resolvendo-se
o dilema, apitou-se o metrô, anunciando
a chegada à Praça Saens Penna.
E aí...#POP#POP##POW*
acabou-se o meu poema.
Ricardo S. Reis