Musa Pressentida no Metrô

Do insuspeito vagão de trem, invade-se-me

o cheiro de frutas. Quem entre estes humanos de olhos de nuvem

de olhares tristes, perdidos

num anteontem passivo, exalará

um tal aroma?

As almas cheiram à flores;

mas as musas são como frutas.

Adivinho-lhe o cheiro no perfume da maçã;

suave de quase nada, vem o cheiro da goiaba

e resta o cheiro da romã.

Quem entre os corpos suados e desistentes

esconderá a minha musa, como um invólucro de carne, como um

vivo recipiente?

De onde provêem esta fragrância?

Olhava, olhava. E antes de poder vê-la

me perdia no momento, no balançar

do trem.

O meu desejo profundo

que se ardia, queimava o mundo

ofuscava o meu olhar

anulando o desvelamento.

E tudo era instável, instancia.

E tudo se movia, imanência.

Só o meu silencio atento

que, estanque, permanecia.

No olhar de uma mulher alta

a musa eu procurei;

nos seios de uma pequena, a musa

eu pressentia.

Quem entre estes seres me sugere pelo aroma, a feitura do poema?

Lá fora, entretanto, o avesso se avoluma

na velocidade futurista, irreal.

Penso em Marinetti; e penso que somente

a musa, esta, podia ser real; somente o verso

(ou a arte) que presente

era um fator preexistente.

E antes que houvera a musa, resolvendo-se

o dilema, apitou-se o metrô, anunciando

a chegada à Praça Saens Penna.

E aí...#POP#POP##POW*

acabou-se o meu poema.

Ricardo S. Reis

Ricardo S Reis
Enviado por Ricardo S Reis em 17/09/2007
Código do texto: T657012