Nênia

Onde estão vocês preocupações e sofrimentos,

angústias diárias, dores, vícios, amores perdidos?

Em que lugar de mim escondi que não os acho?

Venham dar motivos para que tudo volte a ser

como era. Sinto desolação por não mais tê-los.

Sem vocês minha loucura se torna muito estéril

e morre enterrada dentro de um corpo vivo,

que não mais se estremece por faltar solavanco.

Barranco pequeno assume o lugar do abismo

de onde um pé alcança o chão antes do outro.

Onde vocês estão frustrações crudelíssimas?

Servíveis como espelhos para o sofredor-mor!

Casa de espelhos demolida pelos novos ventos.

Tantas coisas perdidas na Rua da Imaginação,

farândola de rostos em calidoscópio que não gira.

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A cada fim de dia a noite não celebra mais nada.

Vidros do calidoscópio arranham uns aos outros

sem provocar mais dor. A Rua da Imaginação

parece estar fechada para obras. O que se vê

é só o que há ao alcance. A janela devassa a casa

do vizinho. Foi adquirida uma disciplina rígida

de só olhar para dentro. Ele tem filha moça.

O voyeurismo é a pior forma de olhar o mundo.

-

Águas da amargura se transformaram em remela.

O diminuir dos passos torna a estrada muito longa.

Aprenderam as aves criadas a voar mais alto

que o olhar? Por que não pousam mais aqui?

-

Eis a folha em branco representando o luto.

Paredes se tornaram próximas sem darem ouvidos

aos pensamentos que elas nunca souberam ler.

Perto da minha casa há a praia pela calçada

longa delimitada. O mar aqui nunca a invade.

O homem aprendeu a beber menos que a ressaca.

Embora o chão se abra, ele evita ou adia a fenda.

-

O outono assume a têmpera do inverno na manhã

mais fria. Não há brisa, mas é como se houvesse.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 01/05/2021
Código do texto: T7245560
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