O POETA
O poeta quando canta
Tem o dom dum passarinho,
Sai-lhe a voz da garganta
E a chorar, canta baixinho.
l
Quando vê o sol raiar
Dá um salto admirado
Ficou por ali acordado
Sem dar p'lo tempo passar
Mas começa logo a cantar
Hoje já nada o espanta
E vai molhando a garganta
Embora seja coisa pouca
Pois a voz lhe sai rouca
O poeta quando canta
ll
Até mesmo a trabalhar
Quando a labuta aperta
Sai cantoria na certa
E muito antes do jantar
Vai versejando a cantar
Agarrado ao ancinho
Já pensando no caminho
Numa boa feijoada
E com a voz esganiçada
Tem o dom dum passarinho,
lll
Mas agora está sozinho
Sentado numa cadeira
Ali passou a noite inteira
Nem falou com o vizinho
E bebe um copo de vinho
Aconchega a sua manta
Come um pão com planta
Prepara-se para escrever
E quase sem perceber
Sai-lhe a voz da garganta.
lV
Já não tem nada a fazer
E ali sentado, pensando
Vai então cantarolando
O que acabou de escrever
E assim ao amanhecer
Não se sente tão sozinho
Bebe mais um copo de vinho
Não importa a condição
Tem a mágoa no coração
E a chorar, canta baixinho.
Mª Custódia Pereira
(Biazocas) 05-12-2007