Nos tempos da corte

Aconteceu nos domínios do Rei

Uma história que quase deu em duelo

Envolveu um nobre cavalheiro

Que no banco de sua Majestade era tesoureiro

E um tal estrangeiro

Sua senhora recebera lisonjas

De um sujeito estranho forasteiro

De certo um estrangeiro

De sotaque castelhano

De ar misterioso que chegara a cidade

O homem alto de rosto mouro

Chegara a Vila de Santo Antônio

Disfarçado em pseudônimo

De capa, bengala e culotes

Com a montaria a galope

Certa dama da corte aguardava no coche

A chegada do Comendador

Velho amigo do marido, seu senhor

Quando passou o tal indivíduo

Cercado de grande burburinho

- Quem haverá de ser esse gajo?

Pela via calçada de pedras

Em direção da dama seguiu

Defronte ao Comendador parou

E nos olhos da distinta dama fixou

Cumprimentando aquela senhora com um beijo na mão

Sem saber o que dizer

Desconhecendo o tal senhor

E sua atitude de espantar

Dirigiu-lhe o Comendador um olhar [pasmado àquela altura]

Com ares de censura

O velho amigo puxou com veemência a dama pelo braço

Que subiu rapidamente em sua carruagem

De onde espiava o senhor cocheiro

Seguindo a galopes com o amigo Comendador

Deixando para trás o atrevido estrangeiro

E mais que depressa correu o boato

Que chegou aos ouvidos do senhor tesoureiro

Nada que relatasse a verdade dos fatos

Coisa das bocas malditas da corte

Que fuxicavam a tarde e se deleitavam noite

Indignado o esposo tesoureiro

Ouvia indefeso aos mexericos

Da vila repleta de ócio e de vício

Enquanto lhe cobrava sua senhora

Que lhe queixava aos ouvidos

- Senhor meu marido, há de se reparar o ocorrido.

O homem saiu a correr pela rua

A indagar pelo estranho homem

Que no armazém do Seu Manoel

Sentava-se a tirar o chapéu

Quando de repente se ouviu:

- Desafio-te ao duelo, senhor! A dama que importunaste no coche,

minha senhora, espera reparação - escolha as armas.

Virou-se espantado o forasteiro

Ergueu-se de sua cadeira

Deitou sua mala no chão

E foi de encontro ao senhor tesoureiro

Que tremia de medo naquele salão

- Meu senhor, engana-se quem acredita que sou homem de briga – replicou o forasteiro - cheguei à vila sem animosidade, espero fazer amizades, sou o novo assistente do tesoureiro, tu o conheces?

Sem saber o que dizer com essa revelação

Calaram-se todos no meio do salão

Estendeu-lhe a mão chocado o tesoureiro

Que sem saída pediu-lhe perdão

Ele era de fato o novo assistente do tesouro do Rei

Desfeito o mal-entendido

De vergonha viraram-se todos os homens

Que boquiabertos fitavam a cena

Enquanto o tesoureiro saía devagar pela porta

Deixando para trás as rusgas no armazém

Exagero havia sido o acontecido

Nada mais queria o forasteiro

A não ser encontrar-se com o senhor tesoureiro

Para entregar-lhe a carta do senhor magistrado

Que dava conta do seu novo emprego.

Fábio Pirajá
Enviado por Fábio Pirajá em 04/03/2008
Reeditado em 11/03/2008
Código do texto: T886468