NA SERRA
Na serra
Procuravas apenas
Pequenos tesouros
Essa ligacão com a terra
Que um novo alento
Traz à nossa vida
Repondo a harmonia
Que a cidade nos leva
Envolta em tanta poluição
Quando te vi
Afagavas aquela árvore
Que parecia ali existir
Desde que a terra é terra
Como que vergada
À sua grandiosidade
À sua formosura
Como que agradecendo
A sua existência
Como que bebendo
A sua sabedoria
Como que buscando
A sua energia
Nesse momento
Eu quis ser aquela árvore
Mas afastei-me
Discretamente
Para mais tarde
Ser surpreendido
Ao acariciar aquele lírio
Que do nada parecia surgir
E não me assustei
Quando a tua doce voz
Suave e delicadamente
Perguntava
O nome daquela flor
Virei-me
E senti-me ofuscado
Como que encandeado
Pela luz do sol
Tal era o teu brilho
E o encanto
Dos teus olhos
Eu pasmei
Tu coraste
Olhei de novo o lírio
E sem lhe tocar
Ofereci-to
E tu beijaste-o
Como que agradecendo
Sem quaisquer palavras
Despertando em mim
Toda a tua graciosidade
Todo o diálogo
Que se seguiu
Espontãneo e natural
Como tudo
Quanto nos rodeava
Era uma brisa
Que nos tocava
Era um doce
Que nos deliciava
Era um côro de anjos
Que nos envolvia
E em silêncio absoluto
Presenciamos
Esse magnifico espectáculo
Que foi o pôr-do-sol
Ainda não sabia o teu nome
Nem tu o meu
Mas a confiança gerada
Como se há séculos
Nos conhecessemos
Uniu as nossa mãos
E assim descemos a serra
Toda a tua beleza
Era apenas a continuidade
Da que nos rodeava
Tal como todo o amor
Era da terra
Que desabrochava
O mesmo que une
O céu e a terra
Numa eterna harmonia
Quando acordei
Senti que tudo foi real
Que tu existias
E que este
Era apenas um sinal
Que havia algures
Num ponto qualquer
Deste planeta
Essa musa inspiradora
De um conhecimento secular
E que mais tarde
Ou mais cedo
Nos voltaríamos a cruzar
E o sonho repetiu-se
De mãos dadas
Ali sentados
Em silêncio
Apreciando
Todo o esplendor
Das ondas do mar
Do sol
Apenas sinais
Mas seria ali
Mesmo na nossa frente
Que ele havia de nascer
Uma vez mais
As ondas eram ténues
Num ritmo musical
Quando melodiosamente
E até que o sol nasceu
Para encanto de nossas almas
Tu foste dizendo
No dia
Em que os humanos
Virem o mundo
Com os nossos olhos
No dia
Em que os humanos
Virem o mundo
Como nós vemos as flores
A terra o mar os rios
No dia
Em que os humanos
Virem o mundo
Como o seu único jardim
A sua única casa
A sua única sala de estar
A sua única bola de cristal
E mais uma vez despertei
E tenho a certeza
Tu és esse lírio
Ou talvez não
Talvez seja eu
Esse lirio
Ou quem sabe
Seja esse lirio
Um filho nosso
Fruto prodigioso
Do nosso delicioso amor
Amor cimentado
Em nossos vôos nocturnos
Pelo universo
Por este planeta
Que para nós
É como se fosse uma ilha
Com dois habitantes
Dois habitantes apaixonados
Apaixonados por tudo
Num verdadeiro paraíso
Policarpo Nóbrega