Quando estou amando...

Sem leme e vela, sou nau sacudida,

Navego em mar aberto e indiviso,

Travestida de céu e paraíso...

Meu sangue corre do poente à vida,

Em fuga da razão, buscando orgia

Na boca em que me espera o impreciso,

Para eu ser nela beijo em poesia.

Dispersa dos sinais, nada anuncio,

Envolta em ventos, ergo-me poeira;

Uivando temporais, nada faz beira

Às águas que transbordam do meu cio;

Ungida, em ser milagre me consinto,

Bebendo à noite, em taça de luzeira,

Goles de estrelas com sabor de absinto.

Desfaço os laços, dou nós no destino,

E o fio, na roca em que sou dona e teia,

As tramas mal tecidas não medeia:

Remata cada dia em sol a pino,

Antes que a tarde esconda, no poente,

A luz do dia que, em gozo, alardeia

Que, quando amando, cego-me, indecente.

RJ-02.09.09